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REVISITANDO CASAMENTOS E NAMOROS ACADÊMICOS: UMA BREVE HISTÓRIA DE AMOR(ES)

Goiás, 01 de agosto de 2021.

Ana Carolina Coelho*


No meio acadêmico universitário brasileiro existe uma espécie de “mito” de que casamos com nosso objeto de pesquisa. É evidente que as nossas escolhas de estudo têm muito de nossas subjetividades, ao contrário do que se prezava na ideia de uma pseudoneutralidade científica. Nossas lentes de modos de viver e entender o mundo são cruciais em nossas trajetórias. Eu me incomodo profundamente com a ideia “casamento”, tal como ela é dita, pois não sobra espaço para novos mergulhos e aventuras.



Crédito da imagem: Wix.


Desde o final de minha graduação, e lá se vão algumas décadas, enveredei pela ideia de estudar através das discussões vibrantes da História das Mulheres e dos Estudos de Gênero, as mulheres urbanas construídas nos romances urbanos de José de Alencar, tendo expandido e me aprofundado na temática durante o mestrado. Esse campo teórico sempre me encantou, com todas seus debates e embates.


No entanto, em meu doutorado, em vez de seguir o caminho do casamento eterno, “divorciei-me” de Alencar – o que não me impediu de revisitá-lo em alguns flertes ao longo dos anos, que renderam bons artigos e capítulos de livros – e fui tomada pela curiosidade de compreender como as mulheres do início da República no Brasil recepcionaram e incorporaram as regras do novo código civil, promulgado em 1916. Uma mudança de fontes, de temporalidade: novas águas para nadar.


Para tentar tecer essas ilações tomei como ponto de partida a percepção sobre as liberdades, limites e possibilidades de atuação das mulheres representadas na Revista Feminina, uma publicação de enorme sucesso no Brasil, que circulou entre 1914 e 1936, alcançando uma tiragem de 25 mil exemplares, em um país profundamente desigual, machista, na qual ler era e, continua sendo, via de regra, um luxo das camadas mais abastadas da sociedade.


As fontes do passado sempre me encantaram. Folhear uma revista, encontrar um manuscrito ou poder ter o privilégio de ouvir uma história narrada por uma pessoa mais velha sobre sua vida, suas vivências, é o que faz a História ser o berço de todas as ciências humanas: ela cria nossos sentidos de existência e marca nossas formas de compreender a realidade. Se para Volvelle “tudo tem História” compreendo que não há possibilidade de suporte experiência da vida humana sem a construção de um passado, em outras palavras, “a História é tudo”.


Para mim, essa mudança de objeto era uma maneira de compreender como essas mulheres das camadas altas da sociedade, que antes eram personagens, agora eram, supostamente – já que descobri que o editor era em realidade um homem – as escritoras de suas próprias bordas e molduras. O que deveria ser uma publicação de “mulher para mulher” continuava sendo uma grande conversa entre homens PARA mulheres, muito embora boa parte da Revista tivesse a contribuição de escritoras.


As expressões da Revista Feminina se inserem em um processo de circularidade moral dos bons costumes, em que ao mesmo tempo, dialogava com as leitoras, através dos anúncios de recepção de “cartas” – fontes que apenas temos acesso pelo que foi publicado/editado na própria Revista Feminina, tendo sido as originais desaparecidas, e talvez até destruídas, uma vez que não constam, até onde eu pude pesquisar, em nenhuma base de arquivos nacionais – a revista se adequou ao pensamento das leitoras, e que de outra maneira, ela funcionou como transformadora de opiniões. A Revista Feminina ao trazer assuntos ditos de “interesse da mulher” deixava explícito publicamente o que deveriam ser as “preocupações” das mulheres e, pensando nos silêncios, naquilo que não concerne ao universo feminino. Nesse sentido, por contraste, os “interesses masculinos” apareciam no não-dito das matérias.


Compreender como mulheres e homens estabelecem códigos de conduta, espaços de atuação e pensamento naturalizados sempre me fascinou. É uma grande construção reiterada de falas, ideias, representações em uma grande teia de pedagogias guiadas pelas emoções e mobilizadas pelos sentimentos. “Mulheres devem agir dessa forma para serem felizes” e “Homens precisam ser desse jeito para se sentirem realizados” são sentenças cruéis para a pluralidade da vida humana e a fonte de todas as formas de intolerância, ódio e falta de respeito ao diverso.


As primeiras décadas do século XX foram muito importantes, no Brasil recém-republicano e em todo mundo, devido ao cenário do “breve século XX”, para uma série de entendimento, transformações, espetáculos trágicos e reivindicações que foram influentes no entendimento das relações entre homens e mulheres no século XX e suas maneiras de pensar e viver.


Revisitar minha trajetória de estudo é recriar em mim a certeza de que devemos e podemos mudar, movidos por um sentimento poderoso, ético e político: o Amor pela humanidade e a vontade irrefreável de, com os nossos saberes, podemos construir um futuro sem sentenças naturalizantes cerceadoras de nossas múltiplas formas de ser e com muitas formas de diálogo. Dias mulheres virão! Vamos conversar?



Se quiser entrar em contato comigo mande um e-mail para:

Instagram: @anacarolinacoelho79

Será uma honra te conhecer!


*Ana Carolina Coelho

Feminista, mãe de duas crianças, escritora, poeta, dançarina de dança do ventre, plantadora de árvores, historiadora e professora universitária. Professora Efetiva do Programa de Pós-Graduação em História-UFG e Professora Associada da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas de Gênero da Faculdade de História (GEPEG/FH/UFG-CNPq); Coordenadora do GT Mulheres Cientistas e Maternidades Plurais (FH/UFG-CNPq); Coordenadora do GT regional de Gênero da ANPUH- Seção Goiás; Membra da diretoria da ANPUG/GO; Membra da diretoria da ANPUH-GO gestão (2020/2022); Membra da Sociedade de Estudos dos Oitocentos; Membra da APPERJ (Associação profissional de poetas do Estado do Rio de Janeiro) e escritora da coluna “Crônicas de Mãe” para a Revista Cláudia Online. Esteve de licença maternidade em 2011 e 2017/2018.

Doutora em História Política (UERJ); Mestre em História (UERJ); Especialista em Psicopedagogia (UCAM), Bacharel e Licenciada em História (UERJ), realizou seu primeiro pós doutorado em Antropologia no PPGAS/UNB com bolsa FAPEG-CAPES (2015/2017). Atualmente é formanda em licenciatura em Pedagogia pela UNINTER; realiza parte de seu segundo pós-doutoramento em História no PPGH/UFES (2020/2021) e foi premiada com a Cátedra Fulbright de Estudos Brasileiros na Universidade de Massachusetts - Amherst", na área de "Estudos de Gênero".

É autora de diversos artigos acadêmicos, capítulos de livros, verbetes, livros de poemas, livro infanto-juvenil e participação em coletâneas de poemas e contos. Dentre suas obras publicadas, destacam-se: Moça Educada, Mulher Civilizada, Esposa Feliz: Relações de Gênero e História em Alencar, EDUSC, (2012); Toda Menina pode ser Mulher, Oficina editora (2008); Delírios e Delícias de uma Menina-Mulher, Oficina editora, (2014); Amar é o verbo que rima com Paz”, Metanóia, 2015 (Prêmio menção honrosa “Educando com respeito à diversidade sexual” pelo IBDSEX em 2017); História das Mulheres e das Relações de Gênero no Centro-Oeste: trajetórias e desafios (orgs.), Editora Life, (2020); Maternidades Plurais: os diferentes relatos, aventuras e oceanos das mães cientistas na pandemia (orgs.), Editora Bindi, (2020) e "História das Mulheres, Relações de Gênero e Sexualidades em Goiás (orgs.) Editora Paco (2021-no prelo).


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