Guarulhos, 17 de março de 2024.
Luzimar Soares*
No ano de 2024, o carnaval aconteceu em fevereiro, e como sabemos, essa é uma festa onde os corpos femininos desfilam nos sambódromos com poucas roupas e o tempo todo são apontados, julgados, comercializados, e porque não dizer desumanizados. As mulheres que desfilam nas escolas de samba, especialmente as que são rainhas de baterias, são a representação das escolas no sentido de que, o tempo todo a mídia explora seus corpos.
O carnaval desse ano teve uma polêmica à parte, personificada na atriz Paolla Oliveira.
Muitas pessoas foram às redes sociais para xingar e diminuir a capacidade dela de sambar, para chamá-la de feia, dentre tantos outros despautérios. Aliás, as redes sociais permitem mais uma forma de agressão às mulheres, uma vez que, com perfis muitas vezes falsos, pessoas acreditam que podem atacar, julgar, diminuir, destruir a autoestima, e transformar a vida de muitas mulheres exercendo o julgamento e condenação públicos.
Desfile da Escola de Samba São Clemente (2013).
Crédito da imagem: Wikicommons.
Mas, o corpo da mulher não está sob o julgo de uma sociedade patriarcal apenas no carnaval. Na cotidianidade, estamos o tempo todo sendo submetidas às narrativas sobre nossos corpos. O mês de março é compreendido enquanto o mês da mulher por ser o dia 08 de março o dia internacional da mulher. Mas, é realmente dia de comemoração, ou é dia de lembrarmos nossas lutas?
Pouco ou quase nada se fala sobre as lutas. Muito se gasta, se veicula, se diz da importância do dia, todavia, é preciso que se fale sobre por que o dia 08 de março é dia de celebrar a mulher. Não foi apenas um acontecimento que fez com que o dia fosse instituído, mas vários. As mulheres estão na luta desde sempre e muitas delas, encamparam batalhas e se uniram em grupos para protestar e exigir direitos. De acordo com uma matéria do site Alura, o dia foi escolhido depois de muitos acontecimentos. “A origem do oito de março não foi escrita em linhas retas e definidas. Podemos pensar nelas como uma estrada, com vários caminhos e bifurcações que levam a um mesmo destino”.
Ainda de acordo com o mesmo site, os eventos que levaram à escolha da data para reconhecer as lutas femininas em 1975, tiveram início no século anterior, quando uma alemã de nome Clara Zetkin que além de professora também era política dentre outras coisas se dedicou a criar escrita para as mulheres, ela: “Ainda em 1891, criou a revista A Igualdade, escrita por mulheres e destinada a trabalhadoras”. Outros episódios foram se somando, como um ato de mulheres russas em 1917: “Em 23 de fevereiro de 1917, um grupo de operárias russas saiu em protestos nas ruas de São Petersburgo contra a fome e contra a Primeira Guerra Mundial, em um movimento que ficou conhecido como “Pão e Paz””.
Clara Zetkin (1857-1933), 1890.
Crédito da Imagem: Wikicommons.
Ao juntarmos as evidencias históricas sobre a participação das mulheres nos grandes feitos da sociedade humana, veremos que o protagonismo feminino foi ocultado muitas vezes. Com as afirmativas de que muitos trabalhos não são para mulheres, ou de que, determinados lugares não são para mulheres como por exemplo política, o patriarcalismo continua estruturando as sociedades de maneira que as mulheres tenham que cotidianamente provar que são capazes de atuar nos mais diversos espaços.
No ultimo dia 08 de março, a rede Globo de televisão, fez um programa sobre Falas Femininas, dentre outras coisas, o programa traz as atrizes, Paolla Oliveira (a tão criticada pelo corpo) e Thaís Araujo (uma mulher negra) para falarem sobre o papel da mulher na sociedade. Dentre outras falas, elas dizem sobre como somos o tempo todo diminuídas, levantam a questão da não remuneração do trabalho doméstico, da invisibilidade desse trabalho, da enorme diferença entre a duração do dia de trabalho feminino e masculino.
Dia Internacional da Mulher, Congresso Nacional (2018).
Crédito da Imagem: Wikicommons.
O programa aborda ainda temas sobre como as mulheres são chamadas de loucas, como somos interrompidas o tempo todo, como ainda em 2024, depois de um longo caminhar, de lutas, depois que tivemos no Brasil uma mulher ocupando a Presidência do País, depois de vermos mulheres como se destacando nas mais diferentes áreas, ainda temos que provar o tempo todo as nossas capacidades.
Há muito que a mulher está em todos os lugares, ainda que sejamos o tempo todo sendo obrigadas a provar a nossa capacidade. Mas para muito além de comprovarmos nossas habilidades, precisamos nos manter vivas. A violência doméstica não para de crescer e é preciso que falemos sobre os mais diferentes tipos de violência contra as mulheres. Aquilo que é ventilado na mídia de maneira geral, trata-se da violência física, no entanto, essa não é a única forma. De acordo com o InstitutoC, temos o seguinte:
Muitas pessoas ainda acreditam que a violência doméstica trata apenas de agressões físicas, qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher, mas não é bem assim. De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Ou seja, a violência doméstica também pode ser psicológica, sexual, moral ou patrimonial. Uma das violências mais sofridas pelas mulheres é a humilhação, que tem um impacto gigantesco em sua autoestima.
Em festividades como o Carnaval onde as pessoas se divertem, onde foliões se vestem de maneira mais livres, onde todos festejam, os corpos femininos continuam sendo julgados e, mesmo que homens também se desnudem, dancem, desfilem, se exponham na mesma proporção, seus corpos não sofrem os mesmos julgamentos.
Ainda precisamos provar que somos competentes, inteligentes, capazes de executarmos nossas atividades; nas supostas brincadeiras, nas explicações do que queremos dizer, como se não soubéssemos nos expressar, nas entrelinhas dos elogios, nas cobranças para que sejamos perfeitas, nas obrigações impostas por sermos mulheres, nas cotidianidades das empresas, nos mais diversos locais de atuação, somos, estamos e vivemos sob o julgo de uma sociedade patriarcal estrutural e estruturante que se perpetua, mas permanecemos na luta e nela seguimos construindo degrau por degrau nosso caminhar para que as que vierem depois de nós tenham seus direitos respeitados.
Referências:
Da redação. Violência doméstica e familiar – como buscar ajuda? Disponível em: https://encurtador.com.br/joq67 . Acesso em: 10 mar. 2024.
Falas Femininas. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8Ae_nlBmnkk. Acesso em: 10 mar. 2024.
GUIMARÃES, Luísa. Dia da mulher: a origem do oito de março, a primeira programadora da história e spoilers de um novo projeto. Disponível em: https://encurtador.com.br/iqVY0 . Acesso em 10 mar. 2024.
*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).
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