Guarulhos, 01 de junho de 2024.
Luzimar Soares*
“E finalmente, não envelheça. Porque envelhecer é pecado.
Você será criticado e difamado e definitivamente não será tocado no rádio.”
Madonna, 2016.
Existem muitos assuntos sobre os quais não se fala, mas quando se fala, na maioria das vezes é de maneira risível, como forma de chacota para menosprezar um sintoma, ou até mesmo para enaltecer uma suposta superioridade, seja de conhecimento de força ou vitalidade. Grande parte desses assuntos estão relacionados com o feminino. Às mulheres é ensinado muito cedo que elas têm limites. Sejam eles de ação, de lugar, de comportamento ou de conquistas.
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É bem verdade que muito já mudou, as mulheres conquistaram muitos espaços, podem votar, podem se candidatar, podem tanto que não podiam antes que algumas coisas já entraram em um lugar que nem parece que já vivemos. Por exemplo, a nós não era permitido trabalhar sem a anuência e concordância de nossos “donos”, ou seja, os maridos ou tutores. Na atualidade, isso nos parece algo tão absurdo que sequer se cogita, (ou não).
No entanto, quando falamos de questões relacionadas a como as mulheres são vistas, permanecem comportamentos, pensamentos e associações que pouco se fala e muito sacrifica a mulher. Ainda na atualidade, menstruação é um tabu nas conversas, sobre menopausa então, é difícil inclusive encontrar quem se disponha a falar. Parece que deixamos de ser mulher por termos atingindo um estágio da vida que nada mais é do que a continuidade da vida.
Madonna discursa ao ser eleita "Mulher do Ano" 2016. Assista ao discurso completo aqui: Billboard.
Socialmente, o corpo feminino é tratado com adjetivos nem sempre lisonjeiros, mas sempre de forma que esteja dentro de um padrão de beleza esperado, padrão esse baseado num eurocentrismo (no caso do Brasil), basicamente impossível de alcançar por uma imensa maioria de mulheres. Mas, o pior pecado da mulher é envelhecer. E, nesse envelhecer, está a menopausa.
Uma quantidade enorme de sintomas acompanha esse período da vida feminina. De acordo com estudo publicado em 2013 na Revista Brasileira de Ginecologia Obstetrícia, temos o seguinte:
A diminuição de estrogênios circulantes na perimenopausa ocasiona sintomas desconfortáveis que afetam o bem-estar da mulher. A maior parte das mulheres apresenta sintomas vasomotores, psicológicos e urogenitais. Em decorrência do hipoestrogenismo, são observados: ondas de calor, sudorese noturna, secura vaginal, enfraquecimento da musculatura do assoalho pélvico, dispareunia, insônia, alterações de humor e depressão. Tais sintomas acometem entre 60 a 80% das mulheres e são reconhecidos como indutores de desconforto físico e emocional, os quais aumentam com a sua severidade. A terapia hormonal (TH) tem se mostrado eficaz nesses casos. Tanto a terapia estrogênica quanto a estroprogestagênica são consideradas como melhor tratamento para esse cortejo de sintomas, sendo indicada com grande frequência como medida terapêutica para alívio e pode melhorar a qualidade de vida em mulheres com hipoestrogenismo nessa etapa da vida.
Aqui, aparece parte dos sintomas fisiológicos e psicológicos, no entanto, as questões de sociabilidades e como essas questões afetam os relacionamentos de maneira geral, quase nunca aparecem e quando finalmente se fala sobre isso raramente é feito de modo a considerar o peso desses eventos na vida prática. O feminino permanece no lugar da neurose. Vejamos as frases recorrentes e que permanecem na cotidianidade de 2024: “está naqueles dias?”, “que calor é esse?”, “está na menopausa, para ter tanto calor?”, “nossa, suando assim, não está na menopausa”? e etc...
A despeito de uma série de patologias estarem associadas à chegada da menopausa, sabemos que a construção da imagem da mulher na sociedade foi edificada de maneira a colocá-la em um lugar de submissão. Essa construção foi muito bem feita, contando com o auxílio de cientistas (homens) que atestavam a inferioridade feminina; se fizermos um retorno ao século XIX podemos encontrar estudos que de acordo com a estudiosa Juliana de Farias Pessoa Guerra (2017, pg. 106):
Os médicos teriam explicado a inferioridade física, psicológica e intelectual da mulher em relação ao homem como uma realidade inscrita no próprio corpo, lócus onde natureza e destino se confundiam. Fenômenos como puberdade, gravidez e menopausa afetariam a mulher de uma maneira sem equivalentes para o homem. “É com base nessa visão biológica que se estabelecem os papéis sociais” (Ibid., p. 38). A recusa da maternidade, vista como a verdadeira essência da mulher, ou da vida doméstica, era um indício de forte ameaça aos padrões e valores estabelecidos para o sexo feminino. E, nesse sentido, os médicos construíram papéis de gênero, apoiando-se na diferença sexual, tendo firmes propósitos de extrapolar o simples cuidado das doenças femininas, abarcando assim vários aspectos da vida social e das relações de gênero.
Nesse sentido, as sociabilidades deixam de ter importância, haja vista, a domesticação da mulher através das “ciências” e a colocação do seu papel enquanto uma coadjuvante do homem. Obviamente que a desconstrução desse lugar está em curso, no entanto, não é um processo que perpassa por muitas localidades, já nos inserimos em muitas áreas e quebramos várias barreiras, todavia, permanecemos relegadas a determinados lugares especialmente quando falamos de entendimentos corporais.
Fisicamente, ainda hoje a “ditadura” da beleza mantêm certa pressão nos corpos femininos, os últimos anos trouxeram muitos esclarecimentos com relação à necessidade de exercícios físicos para a manutenção da saúde do corpo e até da mente. Porém, permanece no imaginário a “obrigação” das mulheres terem corpos perfeitos, especialmente em se tratando de determinadas profissões. Sendo assim, a aparência da mulher que está passando pelo processo de menopausa, não é possível ser escondida.
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Os suores, as alterações de humor, em muitas o aumento dos fios brancos, as modificações na pele como ressecamento e flacidez, dentre outros, estão aparentes e atingem as vivências cotidianas em todos os lugares. Mesmo em lugares frios os rostos brilham com suores, e perguntas surgem, das mais simples do tipo: está tudo bem? Até as mais sarcásticas: está na menopausa? Essa última pergunta sempre vem acompanhada de um sorriso de reprovação.
As sociabilidades ficam prejudicadas, mulheres se retraem, deixam de sair de casa, se envergonham de seus corpos, diminuem interações sociais, terminam relações por causa de diminuição da libido e tantas outras transformações. O etarismo tem muito mais poder sobre as mulheres do que sobre os homens. É preciso, urgente, que se fale sobre as mudanças físicas e psicológicas, especialmente sobre as alterações de sociabilidades que as mulheres sofrem.
E por fim, é urgente que a ciência se debruce sobre os efeitos da menopausa na vida das mulheres, busque soluções que sejam acessíveis e que essa seja uma fase que possa ser vivida pelas mulheres de maneira minimamente mais humana.
Viva as mulheres!
Referências:
GUERRA, Juliana de Farias Pessoa. Subjetivações femininas na meia-idade: a vivência da menopausa na contemporaneidade. 2017. Tese de doutorado. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/28411/1/TESE%20Juliana%20de%20Farias%20Pessoa%20Guerra.pdf. Acesso em: 16 de mai. 2024
BORNAND, Bruna; COSTA, Eduardo André Moura Martins; DIAS, Alessandra Silva; LANZILLOTTI, Haydée Serrão; LANZILLOTTI, Regina Serrão e TROTTE, Ana Paula Rocha. Osteoporose em mulheres na pós-menopausa, cálcio dietético e outros fatores de risco. In: Rev. Nutr., Campinas, 16(2):181-193, abr./jun., 2003, pg. 181 – 193. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rn/a/7DRmHtLJWd8FGvTsBsGQhcF/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 17 mai. 2024.
Gravena AAF, Rocha SC, Romeiro TC, Agnolo CMD, Gil LM, Carvalho MDB, Pelloso SM. Sintomas climatéricos e estado nutricional de mulheres na pós-menopausa usuárias e não usuárias de terapia hormonal. In: Rev Bras Ginecol Obstet. 2013; 35(4):178-84.
Silva A. N., Barros A. B., Batista I. O. do V., Campos J. R. E., Alves S. M., Silva M. L. A., Lira P. F., Monte E. C., Santana W. J. de, & Luz D. C. R. P. (2020). Sexualidade feminina na menopausa: um olhar de maior visibilidade. Revista Eletrônica Acervo Saúde, (51), e3413. https://doi.org/10.25248/reas.e3413.2020. Acesso em: 15 mai. 2024.
*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).
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