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Corpos femininos, o que representam?


Guarulhos, 15 de agosto de 2021.

Luzimar Soares*


Na medida em que as coisas vão acontecendo, os pensamentos se embaralham e, muitas vezes, a busca por respostas pode nos trazer grandes reflexões. A despeito de tudo que estamos vivendo no nosso país, das inúmeras cortinas de fumaça que são, diariamente, lançadas para encobrir os desmandos de uma administração, no mínimo, irresponsável, outros temas povoam os pensamentos.


Na esteira dos acontecimentos mundiais, uma grande competição chamou a atenção no último mês. Para nós, brasileiros, a quantidade histórica de medalhas conquistadas mostra, mais uma vez, o quão importante é o investimento em nossos atletas. Mas, para o mundo, algumas atitudes chamaram bastante atenção: mulheres se posicionando contra o uso de roupas ou, basicamente, a falta de roupas em algumas atletas.



Uniformes dos times masculino e feminino de handebol de praia são bem diferentes

Crédito da Imagem: Niclas Dovsjö / Norwegian Handball Federation / BBC News Brasil


As atletas foram multadas pela federação de seu país. A questão que essas mulheres levantaram já está posta há muito tempo. Todavia, em um evento dessa magnitude, tem o poder de ser discutido mundial e instantaneamente. O feminino é exposto em todos os lugares e de muitas formas. Os pensamentos dominantes estão postos em todos os lugares e de todas as formas. No caso dos uniformes das atletas, se o masculino usa shorts, porque o feminino precisa de bíquinis?


Independentemente da profissão, sejamos nós professoras, advogadas, mecânicas, estudantes, escritoras, comissárias de voo, pesquisadoras, ou quaisquer outras profissões, nossos corpos são objetos de exploração por meio dos uniformes femininos, especialmente aqueles com alto grau de exposição. Ou seja, quanto mais somos expostas, mais somos utilizadas como forma de chamar a atenção através dos nossos corpos.


É bem verdade que o contrário também existe. Em algumas situações, os corpos femininos devem ser escondidos de forma que sequer pareçam mulheres, ou, no limite da estupidez, a sociedade culpabiliza a mulher pela roupa que usa, no caso de serem atacadas fisicamente. O senso comum já está tão acostumado a apontar o dedo para a mulher que, invariavelmente, nos casos de estupro, ouve-se a frase: “que roupa ela usava?” Na fronteira do despautério, pode-se, ainda, ouvir: “teve o que merecia, quem mandou ir a este lugar”.


Há alguns meses, em um julgamento por estupro, o advogado de defesa do estuprador usou fotografias da vítima que estavam em suas redes sociais para desqualificar a moça que foi abusada e sofreu um dos piores traumas que uma mulher pode sofrer. Se ela se expõe nas redes sociais, significa que ela pode ser abusada, afinal, está se mostrando para quê? Esses são apenas exemplos das formas absurdas de julgamentos aos quais as mulheres são expostas cotidianamente.


No mundo corporativo, a mulher sempre é cobrada a estar impecável, com unhas manicuradas, cabelo bem arrumado e pintado (deixar aparecer as raízes brancas é um pecado), as roupas devem ser sexy sem ser vulgar (qual é o limite?), o humor certamente precisa ser agradável. Contrário a isso, é considerada, louca, de TPM, com falta de “macho”, dentre outras formas pejorativas de ser relatada. A mulher “moderna” não pode se dar ao luxo de chorar em público (a não ser em ocasiões especiais e contidamente), ela precisa ser a super mulher: cuidar dos filhos, da casa, do marido (sic), ser excelente profissional, estudar muito e, junto com tudo isso, ter tempo disponível para a sociedade e a família.


E, voltando a pergunta inicial, o que são nossos corpos? Acostumamo-nos a sermos adestradas ou nos rebelamos? Muitas mulheres têm assumido seus cabelos brancos, outras se recusam a usarem uniformes justos e enfrentam as federações, outras se unem e gritam pela liberdade de seus corpos. Liberdade de pensamentos, liberdade de ação, liberdade de vida.


No último mês, uma notícia vem sendo largamente ventilada, todavia, pouco debatida, pelo menos do meu ponto de vista. Os planos de saúde brasileiros decidiram que a mulher não pode inserir em seu corpo um dispositivo contraceptivo sem a validação, concordância, anuência, autorização do marido. Isso me faz pensar: que raios de pessoa acredita que o homem tem o direito de decidir sobre o corpo da mulher? Por que o marido precisa autorizar?


Somente no ano de 2021, quase 100 mil crianças não têm o nome dos pais em suas certidões de nascimento. Sendo assim, os homens não serão responsáveis pela manutenção da vida dessas crianças, não lhes darão amor, educação, conforto, exemplo, alimentação, etc. etc.. Mas, ainda assim, os homens têm o poder de decidir se a mulher engravidará ou não? Qual o sentido dessa decisão, em que se pautam os “pensadores” que acreditam ter o direito de determinar a vida das mulheres? O dispositivo que necessita da aprovação do marido tem se mostrado menos prejudicial à saúde feminina do que muitos outros e, socialmente, está posto que a mulher é “responsável” por não engravidar. Mas, mesmo assim, a mulher não pode escolher sua forma de se precaver.


À mulher não é dado o direito de ter uma vida sexual ativa e livre. Os adjetivos para falar da mulher que escolhe ser sua própria dona são os piores possíveis. Quando uma mulher diz gostar de sexo, imediatamente é chamada de ninfomaníaca, de tarada, de vadia. O oposto, ou seja, se ela não gosta, é frígida, é chata, e sem graça e, por conseguinte, é considerado normal o marido buscar sexo fora do casamento, afinal, o macho tem necessidades, ele tem testosterona.


A questão sexual para além do tabu que, do meu ponto de vista, estupidamente vivemos, há uma necessidade posta da sociedade de controlar o corpo feminino. A mulher é a dona do útero que carrega os filhos, é ela quem pode decidir quando e quantos filhos terá, e se os terá. Talvez, por isso, os planos de saúde tenham decidido que elas terão que seguir o que os homens querem. Isso além de invasivo, desrespeitoso e estupido é, também, cruel, machista e misógino, pois relega a mulher ao espaço de ser apenas um útero.


Liberdade para nossos pensamentos, para nossas ações, liberdade para decidirmos nossas buscas, para sermos donas de nossas vidas, sermos respeitadas pelos nossos desejos e encontrarmos o nosso próprio caminhar. Nossas roupas e nossos destinos precisam estar em nossas mãos!


*Luzimar Soares é mestre em História (PUC-SP).

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