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  • Foto do escritorLuciene Carris

A utopia de um poderoso império

Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2022.

Luciene Carris*


Publicado, originalmente, em 1994, sob o título A utopia do poderoso império, o livro da professora Maria de Lourdes Viana Lyra se tornou um clássico da historiografia sobre o processo da independência e a formação do Estado Nacional, e, rapidamente se esgotou. Durante um longo período, o único acesso ao livro se deu pela fotocopia utilizada em larga escala no meio universitário. Para a sorte dos estudiosos do tema e dos demais interessados, em 2019, finalmente, a obra foi reeditada com o apoio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a “Casa da Memória Nacional”, uma instituição fundada em 1838 pelo cônego Januário da Cunha Barbosa e pelo marechal Raimundo José da Cunha Matos, o que faz dela uma associação quase bicentenária.







Então, já que estamos envolvidos com a efeméride do bicentenário da Independência do Brasil, a ser comemorado no próximo dia 07 de setembro, resolvi falar um pouquinho a respeito do livro no nosso singelo Blog de História. Há de se destacar que o Box Digital de Humanidades vem lutando bravamente e independentemente há um ano pela divulgação do conhecimento histórico, oferecendo aos leitores reflexões originais e importantes, além de buscar valiosas contribuições de colaboradores externos à tríade dos historiadores sempre atuantes.


A obra escrita pela professora Maria de Lourdes Viana Lyra é dividida em cinco partes, além do prefácio, apresentação e das referências. O primeiro capítulo se intitula “O impacto das novas ideias: as vertentes da Ilustração”, seguida pelos “A estratégia política reformista”, “O novo império lusitano”, “A ruptura da unidade: o império brasílico” e, por último, “A cristalização de uma ideia”. O título do livro se inspira numa passagem da frase do jornalista Hipólito da Costa, que escrevia de Londres, em 1813, sobre as suas expectativas sobre o futuro no Novo Mundo. Aliás, pensamento que se disseminava entre outras figuras, como D. Rodrigo de Sousa Coutinho, José Bonifácio de Andrada e Gonçalves Ledo, como bem salientou a historiadora. Assim, se cogitava não só um império, mas um império com um glorioso destino em terras tropicais. Para a autora,


A Independência política do Brasil apresenta particularidades para às quais dedicamos atenção especial: ocorreu num movimento de aproximação e não de rejeição à antiga metrópole; manteve a unidade política de todo o território que compunha a América portuguesa; se constituiu em Império adotando a forma de governo monárquica, forma estranha ao Novo Mundo. Tais singularidades são entendidas pela historiografia como uma consequência “natural” do fato inusitado da transferência da sede do governo do império colonial português para o Brasil, no início do século XIX. Mas somente esse fato teria tal força explicativa? Em busca de novos elementos elucidativos um outro esquema interpretativo foi sendo formulado (LYRA, 2019, p. 18).


A utopia deste Estado que se forjava grandioso se assentava, também, no paradigma da grandeza territorial e dos recursos infinitos, que insuflavam discursos políticos, bem como era “propalada com entusiasmo esperançoso pelo homem comum”. Além disso, foi recuperada com uma nova roupagem a ideia de “Quinto Império do Mundo”, sediado na América portuguesa, formulado pelo padre Antonio Vieira no século XVII, que adentrou a era pombalina através dos ilustrados do século XVIII, que vislumbravam um Estado atlântico. Cada vez mais dependente de sua colônia, a metrópole portuguesa se vangloriava no cenário europeu de possuir um vasto tesouro na América, imaginada como uma terra prometida, onde a Coroa e o seu povo poderiam migrar com intuito de concretizar o destino do poderoso império luso-brasileiro. Contudo, a utopia se redefiniu em 1822, quando a ideia de um forte Império atlântico se converteu na idealização de um poderoso Império brasileiro, a partir do fortalecimento da união entre as províncias na busca pela formação do Estado nacional.


E assim, a autora examina o universo de ideias e símbolos utilizados para construir esse ideal, a exemplo de uma rara joia de D. Leopoldina que simboliza a unidade do Estado do Brasil e o ideal de riqueza. Sob a guarda do acervo do Museu Imperial de Petrópolis, se encontram um par de brincos e um colar, interligado por dois ramos, um de café e outro de tabaco, que representava as dezenove províncias do Brasil. Constituída como uma metáfora, “trata-se de uma joia no mínimo curiosa porque concebida politicamente, ou seja, segundo a imagem conceitual do império do Brasil: um todo rico e poderoso, integrado e harmônico” (LYRA, 2019, p. 215).


O livro de Maria de Lourdes é uma precioso estudo sobre o pensamento de D. Rodrigo de Sousa Coutinho e de outros ilustrados, assim como sobre o impacto das ideias liberais do Abade Raynal e Adam Smith. Além disso, desabilita a concepção de uma luta entre a colônia e metrópole, assim, para autora, a independência se insere num processo de "conflitos entre portugueses de Portugal e portugueses do Brasil engajados no mesmo processo de institucionalização do Estado Liberal". Portanto,


(...) o celebrado ato do 7 de setembro, provocado pela tentativa de intervenção direta das Cortes Constituintes no governo da Corte do Rio de Janeiro - que passaria aos anais da História como a data símbolo da decisão da ruptura da unidade luso-brasileira, ou seja, se converteria na data festiva da Independência Nacional - constitituiria apenas mais um episódio desse longo processo que ultrapassaria o limite de 1822. (LYRA, 2019, p. 200).


LYRA, Maria de Lourdes Viana. A utopia do poderoso império. Rio de Janeiro: Exousia, 2019.


*Luciene Carris é historiadora (UERJ).



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