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  • Foto do escritorArmando Seixas Ferreira

“1821 - O Regresso do Rei”: Os bastidores da Independência

A história da volta de D. João contada no Rio de Janeiro


Portugal, 15 de agosto de 2022.

Armando Seixas Ferreira*


Muito se escreveu sobre a viagem da Corte para o Brasil em 1807, mas faltava documentar o que aconteceu 13 anos depois, quando o rei D. João VI decidiu voltar a Portugal. Estranhamente, os livros de história ignoravam os 68 dias de navegação entre o porto do Rio de Janeiro e a cidade de Lisboa. Constatei também que não foi feita inteira justiça ao papel crucial que o príncipe regente desempenhou no rumo dos acontecimentos. Em nome da verdade dos factos escrevi o livro “1821 O Regresso do Rei”. A história dos 200 anos da viagem de D. João VI para Portugal e a independência do Brasil, declarada pelo imperador D. Pedro I, em 1822.




A apresentação dos resultados da minha investigação no Rio de Janeiro é o culminar de vários anos de estudo sobre os reinados de D. Maria I e D. João VI. É um período fundamental para compreender o processo de independência do Brasil. O meu gosto pela história levou-me a pesquisar minuciosamente fontes coevas, como cartas, manuscritos, jornais e uma vasta bibliografia. A descoberta dos diários náuticos do brigue Reino Unido e da corveta Voador no Arquivo Histórico da Marinha permitiram-me usá-los como fio condutor da história. São dois vasos de guerra que formavam a esquadra de 12 navios, comandada pela nau D. João VI. Ao todo transportavam entre três a quatro mil passageiros.


A primeira das duas apresentações do livro no Rio de Janeiro teve lugar no magnífico Real Gabinete Português de Leitura e ficou a cargo de Paulo Knauss, doutor em História. A segunda sessão aconteceu no prestigiado Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Foi sublinhada a resolução do príncipe regente D. João quando transferiu a capital para o Brasil, na sequência das invasões francesas. Curiosamente, Napoleão, o maior inimigo de Portugal morre em cativeiro na ilha britânica de Santa Helena no dia 5 de maio de 1821, ao décimo dia desta viagem. Nessa altura, a esquadra que transportava D. João VI sulcava as águas praticamente na mesma latitude da ilha britânica, onde o tirano francês dava o último suspiro.






Após a leitura dos jornais napoleónicos chegamos à conclusão de que D. João foi alvo das “fake news” da época. A propaganda de guerra de Bonaparte funcionava para denegrir o único rei que nunca conseguiu aprisionar, acusando o regente de ter abandonado os portugueses e ter fugido para o Rio de Janeiro. Na verdade, D. João transferiu a Corte para salvar a parte mais essencial da monarquia, o Brasil. Em 1807, o regente usou estrategicamente o oceano e o território defendendo a independência do poder real. Nesse momento, o Brasil fazia parte da coroa portuguesa. A sul do equador, D. João abriu os portos brasileiros às nações estrangeiras e fundou o primeiro império europeu na América, elevando o Brasil à categoria de reino a 16 de dezembro de 1815. Criou tribunais, escolas, fábricas, bibliotecas, imprensa régia, o jardim botânico e até um banco. Ao contrário do que muitos pensam, D. João foi o rei certo no momento certo. Astucioso, o soberano demorava muito tempo a tomar decisões, tendo esse factor sido confundido com irresolução. Todas as suas decisões mais importantes revelaram-se bastante benéficas. Manteve a unidade do Brasil, destruiu os planos de Napoleão na Península e ajudou a restaurar a paz na Europa com a ajuda britânica. Quem o conhecia destaca a sua extrema bondade e boa gestão dos negócios do reino.


Em 1821, o atlântico estava infestado de corsários. A esquadra do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves navegava num mar de incertezas. No Brasil ficara D. Pedro como regente, mas D. João não fazia ideia como seria recebido à chegada pelos liberais portugueses, autores da revolução de 1820 no Porto. O futuro da monarquia podia estar em risco. A bordo, os conselheiros sugerem ao rei fazer escala na Bahia, demorar-se pelos Açores, ou até desviar a rota para uma corte amiga. Apesar do carinho pelo Brasil, D. João regressava à pátria que também amava. No cais das colunas, o rei foi recebido pelo povo como vencedor de Napoleão e libertador dos seus vassalos.


A saída do rei e a decisão das cortes que exigiam também a volta de D. Pedro - retirando ao Brasil a sua autonomia - foram o rastilho para a independência. Em 1822 o Brasil separava-se de Portugal. Nos anos seguintes, D. João VI foi alvo de várias conspirações lideradas pela rainha D. Carlota Joaquina e pelo infante D. Miguel. Em 1825, o bom rei fez as pazes com o filho, imperador D. Pedro, reconhecendo finalmente a independência do Brasil.


FERREIRA, Armando Seixas. 1821 - o regresso do Rei: A viagem de D. João VI e a chegada da Corte a Portugal. Lisboa: Planeta, 2021.


*Armando Seixas Ferreira é jornalista do Linha da Frente, o programa de grande reportagem da RTP. Entre 1993 e 1996 trabalhou no Jornal do Barreiro. Entre 1995 e 1998 integrou a redação do jornal Público na secção Local. Em televisão começa por trabalhar, em 1998, na redação do Telejornal, onde se especializa na área da Defesa, Política e Sociedade. Em 2003 é enviado especial à guerra do Iraque, a bordo do porta-aviões americano Theodore Roosevelt e a Nassíria junto do contingente português. Assinou várias reportagens na Bósnia, Kosovo, Líbano, Timor, Indonésia, Colômbia e Afeganistão. Colaborou com a estação de televisão árabe Aljazeera. Em 2006 venceu o Prémio Nacional de Paridade de Jornalismo com a grande reportagem Mulheres à Prova de Bala, que retrata a vida das paraquedistas portuguesas no Kosovo.






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