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Os caminhos do mestrado

Guarulhos, 01 de novembro de 2021.

Luzimar Soares*

Para esta quinzena, a escrita será sobre a escrita, ou seja, sobre como é escrever um trabalho científico na área de História. Invariavelmente, quando digo que sou mestre em História, ouço perguntas as quais consigo identificar (penso eu) algumas como brincadeira, outras como falta de conhecimento, e algumas, ainda, como um certo sarcasmo. Muitas vezes, não são perguntas, mas piadas que dizem: “ah, você estuda História? Conta uma para mim!”. Os e as contadores (as) de História são pessoas que trabalham brilhantemente para trazerem o lúdico de forma a entreter, mas também, a inserir os ouvintes no mundo da leitura. Todavia, este não é o oficio do historiador.



Crédito: wix.


Entretanto, o que quero falar é sobre como pode ser difícil, algumas vezes impossível, para um aluno de pós-graduação concluir seu curso. Na verdade, é preciso voltar um pouco. É bastante complexo entrar em um curso de Mestrado. É corriqueiro, em nosso país, falarmos sobre quão deficitária é nossa educação, de quanto precisamos melhorar e de como a educação é a única forma de conseguirmos melhorar nossa sociedade.

Pois bem, pouco se fala de como é complexo o caminhar de quem resolve dar continuidade aos estudos. Para início de conversa, há uma total e irrestrita incredulidade nos estudos. Refiro-me aos que bradam a plenos pulmões que quem estuda muito é porque não quer trabalhar, a quem diz que nas universidades só tem baderneiros, aos que dizem que estudantes de universidade pública é tudo maconheiro, e por aí vai. Ainda que esteja falando de “autoridades”, as pessoas comuns, também, questionam o que julgam ser excesso de estudos.

Mas, tratando da questão prática, um curso de mestrado em uma instituição de renome custa caro, muito caro, especialmente para pessoas que não têm quem as patrocine, ou seja, aquelas que dependem do seu próprio trabalho e salário. As vagas nas universidades públicas não são suficientes para atender a demanda (ainda que não seja tão grande). Portanto, a seleção é consideravelmente difícil.

O processo em si aglutina uma série de requisitos a serem cumpridos, linhas de pesquisas que precisam ser seguidas, autores, pensadores, escolas de pensamento e etc. Tudo isso implica que um projeto feito para uma universidade não poderá ser submetido para outra. Cada instituição trabalha de forma única, portanto, cada projeto precisa ser feito para aquela instituição. Sendo assim, reprovar é quase uma certeza nos primeiros projetos. Há que se compreender a universidade, buscar seus teóricos, construir um trabalho com qualidade e de preferência inovador, além, é óbvio, de desafiador.

Tudo isso é apenas a primeira parte. Depois que o projeto é aprovado, o passo seguinte é uma entrevista com, no mínimo, dois avaliadores que te darão nota pelo trabalho escrito, por sua forma de responder aos questionamentos, por sua capacidade em demonstrar que será capaz de cumprir o que promete; lembrando que o tempo destinado a todo o processo, desde o ingresso até sua defesa, é de 24 meses.

As universidades são avaliadas sempre, e alunos não concluintes contam notas negativas. Essa é uma forte razão para os pretendentes a uma vaga passarem por uma criteriosa avaliação. Na continuidade das avaliações, há uma prova de idioma. Cada universidade decide essa prova é antes ou depois da entrevista, mas, de qualquer forma, em algum momento é preciso comprovar sua proficiência em um idioma estrangeiro. Há, também, uma prova escrita. Tudo isso é eliminatório, e a menor nota, invariavelmente, não é inferior a sete.

Há que se salientar que esta prova escrita não é nada simples. São dados autores para lermos, compreendê-los e dissertar sobre o que foi lido, articulando com a pergunta dada, de forma que seu avaliador consiga entender a costura feita e, assim, atribuir uma nota acima de sete. É um processo longo, exaustivo, exigente e com pouquíssimas vagas.

Ultrapassadas todas as etapas, e sendo aprovado, começam-se, efetivamente, os estudos na universidade. Dois anos é o tempo do mestrado, ou 24 meses como preferir. Todas as matérias precisam ser estudadas. As notas são exigidas. Cada aluno monta sua agenda escolar, porém, não pode se esquecer de cumprir todas as matérias. Então, é necessário pesquisar. Horas, dias, noites, semanas, meses se passam; livros, textos, sites, revistas, são devorados, anotações e rabiscos são a cotidianidade. A vida de uma mestranda não é mais dela. Os prazos são curtos, não basta “só” cumprir os créditos, é imprescindível participar de eventos, e é aconselhável publicar artigos em revista. Ler e escrever torna-se uma rotina tão natural que parece estar intrínseca na vida da estudante.

Passamos por muitas avaliações ao longo desses dois anos. Publicar artigos em revistas perpassa pela análise às cegas, ou seja, quem ler o seu trabalho não sabe quem escreveu. Se um dos avaliadores reprovar, você precisa se adequar àquilo que pedem. Os eventos (excetuando o período pandêmico) acontecem em vários lugares do país. Os mais importantes é de bom tom participar. Há custo de deslocamento, de hospedagem e de alimentação. Aliás, os custos representam o maior dos desafios.

Ao fim e ao cabo, as bolsas que recebemos (quando recebemos) são sempre insuficientes, o que leva a grande maioria, assim como eu, a continuar trabalhando e buscar uma bolsa taxa, ou seja, apenas não pagamos a mensalidade quando estamos numa instituição privada e, quando estamos em uma pública, não recebemos nada. Custear todas as despesas, administrar o tempo, tirar boas notas, participar de todo o processo ao longo de dois anos e sair com uma dissertação aprovada é um caminhar solitário, espinhoso e, muitas vezes, totalmente incompreendido.

Convido aqueles que leem esta página a lutar por uma educação de qualidade em todos os níveis. Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), publicado em 2019, apontam que ainda temos 6,6% da população analfabeta. Isso representa 11 milhões de pessoas analfabetas. Para além desse dado, a pesquisa levanta outros dados, e, para no ensino superior, não registra os números de pós-graduação. Esses números existem em outras estatísticas, o que mostra um descolamento, como se a pós-graduação fosse, realmente, o que disse uma certa “autoridade” – “a universidade deve ser para poucos”. Será?


*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP).


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