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Foto do escritorLuzimar Soares

As palavras e as coisas


Guarulhos, 15 de abril de 2024.

Luzimar Soares*




Mas a relação da linguagem com a pintura é uma relação infinita. Não que a palavra seja imperfeita e esteja, em face do visível, num déficit que em vão se esforçaria por recuperar. São irredutíveis uma ao outro: por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz, e por mais que se faça ver o que se está dizendo por imagens, metáforas e comparações, o lugar onde estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam, mas aquele que as sucessões da sintaxe definem.

Michel Foucault, As palavras e as coisas, 1999.**




Ler, estudar, conhecer as palavras é parte do aprendizado de todas as pessoas. Possivelmente a leitura é a grande descoberta da vida, pois, todos os outros aprendizados derivam do saber ler, do conhecer as palavras, da curiosidade em “brincar” com os significados de cada um dos vocábulos que vão aos poucos surgindo nas leituras, nas conversas, nos novos idiomas aprendidos.




Crédito da imagem: Wix.


Quando pensamos nas coisas que fazem as pessoas se moverem para quaisquer direções, uma delas, possivelmente é a curiosidade, essa uma característica que quando relacionada ao conhecimento, certamente passa pelo lugar da leitura. O hábito de ler que pode ser por inúmeras razões, seja para pesquisa, seja para deleite, seja para questionar, ou até mesmo para entrar numa discussão e poder ter argumentos, aliás, muitas vezes, sequer necessitamos entrar na discussão, mas apenas ouvir, assim, aprender novos vocábulos e continuar na construção de um caminhar pautado pelas leituras e aprendizados. 


Quando prestamos atenção nos discursos, palestras e aulas, nos damos conta de que algumas palavras vira e mexe passam a fazer parte de todos os lugares. Um desses vocábulos que entrou para o rol dos mais usados por coachs, palestrantes, professores, profissionais de recursos humanos, entrevistadores e afins, é “empatia”. Toda palavra tem uma origem, um significado, então, na busca pela etimologia de empatia, é possível verificar que ela é utilizada nos mais diversos espaços profissionais.





Empatia, Palermo, Itália.

Crédito da imagem: Rino Porrovecchio, Wikimedia.



Para Vitor Soares da Na Prática.org, temos o seguinte:


A raiz da palavra “empatia” está no grego “empatheia”, que está ligado à paixão e também costuma ser traduzido como “ser muito afetado”. Em inglês, “empathy” está diretamente relacionado ao termo alemão “Einfühlung”, conhecido por ter sido usado pelo psicólogo e teórico alemão Theodor Lipps no início do século XX para falar sobre, segundo o autor, “a relação entre o artista e o espectador que projeta a si mesmo na obra de arte”. Já na psicologia e na neurociência contemporânea, a empatia é muito associada à inteligência emocional.

Continuando na busca pela etimologia da palavra, chegando ao site do Instituto Carlota, a comunicadora Fabiana Gutierrez, apresenta um pouco mais sobre a palavra:    


Para nós latinos, a palavra empatia vem do Grego EMPATHEIA, que EN = “em” mais PATHOS, “sofrimento / paixão”, ou seja, estar em estado de paixão, de sofrimento. Mas o entendimento e significado que damos à empatia hoje é influenciado pelo filósofo alemão Theodor Lipps que, no final do século XIX, oficializou o termo “Einfühlung” como a sensação ou a interferência que sofremos por algo ou alguém. A tradução literal é “sentir em” e ele estava se referindo, na época, sobre a nossa capacidade de “sentir em” obras de arte, literatura ou na natureza, tendo uma relação emocional com elas, e não apenas racional. Alguns anos mais tarde, Edward Titchner, psicólogo britânico, decide traduzir esse conceito. Então, Einfühlung – que no inglês é “feeling into ou in feeling”- que nasceu para nomear o afeto ou efeito decorrente da observação de alguma coisa se desenvolveu para o termo “empathy” e passou a englobar o efeito que as relações humanas têm em nós. E aqui traz algo bem importante do conceito de empatia, ela só acontece na relação com o outro, criar essa conexão com o outro.


 

Vista de perfil da escultura "O Pensador", do artista Auguste Rodin, tirada no Musée Rodin, em Paris, França. Crédito da imagem: José Renato Venâncio Resende, Wikimedia.



Analisando as duas colocações, é possível perceber que ao fim e ao cabo, os significados convergem para o mesmo lugar, ou seja, o colocar-se no lugar do outro, o sentir pelo outro, o acolher o outro como gostaria de ser acolhido. Sendo assim, acompanhando as coisas cotidianas, sempre me vem alguns questionamentos na minha mente: realmente existe empatia? Somos capazes de nos compadecermos ao ponto de sentirmos pelo outro?  Ou, somos seletivos e empáticos apenas com os que nos identificamos ideológica, política, religiosa e socialmente?


Permeada por esses pensamentos, me recordo de uma leitura que fiz há alguns anos do texto de Emmanuel Lévinas que me suscitou uma série de interrogações e cujo trecho reproduzo abaixo:


Eu o reconheço, ou seja, creio nele. Mas se este reconhecimento fosse minha submissão a ele, esta submissão retiraria todo valor de meu reconhecimento: o reconhecimento pela submissão anularia minha dignidade, pela qual o reconhecimento tem valor. O rosto que me olha me afirma. Mas, face a face, não posso mais negar o outro:  somente a glória numenal do outro torna possível o face-a-face. O face-a-face é assim a impossibilidade de negar, uma negação da negação. A dupla articulação desta fórmula significa concretamente: o “não cometerás homicídio” se inscreve no rosto e constitui sua própria alteridade. A palavra é, portanto, relação entre liberdades que não se limitam nem se negam, mas se afirmam reciprocamente.

De modo e buscar compreender todos esses estudos, penso que de maneira geral, ainda que no face-a-face, a empatia é seletiva. Se nos ativermos aos acontecimentos recentes da nossa sociedade, deparamo-nos com episódios de brutalidades e negações do outro; isso me leva a acreditar que somente quando conseguirmos, enquanto humanos, compreender verdadeiramente a existência do outro, seremos empáticos. As palavras podem ser apenas coisas soltas se não carregarem o verdadeiro valor.


Ainda que seletivamente, praticar a empatia pode ser uma maneira de começarmos a compreender a vulnerabilidade da humanidade. Somos extremamente frágeis, nenhuma pessoa consegue viver isoladamente, só existimos porque o outro existe.


Por fim, trago uma reflexão sobre a palavra alteridade, que para mim, é a que mais se aproxima da possibilidade da humanidade seguir e reconhecer a humanidade do outro. Para Pedro Menezes:


Assim, a violência somente ocorre pela desvalorização da alteridade, do outro enquanto ser. Contra isso, Lévinas mostra que é necessária uma compreensão de que o "eu" só existe porque é constituído pelo "outro". Dessa maneira, a violência e a destruição do outro significaria a destruição de si.

 

 

Referências:

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.  8ª ed. — São Paulo: Martins Fontes, 1999.

GUTIERREZ, Fabiana. A origem da palavra empatia. Disponível em:  https://carlotas.org/bra/a-origem-da-palavra-empatia/. Acesso em: 03 abr. 2024.  

LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. 

SOARES, Vitor.  Empatia: o que é, de onde surgiu e como colocar em prática. Disponível em: https://www.napratica.org.br/empatia-o-que-e-de-onde-




*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).


** O título do texto se inspira no livro do filósofo Michel Foucault.



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