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Theodoro Sampaio: pequeno esboço biográfico de um notável engenheiro

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2021.
Luciene Carris*



Vê-se ali, entre eles, todos os matizes da população policroma da nossa terra. O caboclo legítimo, o negro crioulo, o cariboca, misto do negro e do índio, o cabra, o mulato, o branco tostado de cabelos castanhos e às vezes ruivo, todas as raças do continente e os produtos de seus diversos cruzamentos ali estão representadas. Neste particular, é o vale do São Francisco um vasto cadinho em que todas as raças representadas na América se fundem ou se amalgamam.
(Theodoro Sampaio, 2002, p. 94-95)

O excerto escolhido para introduzir essa pequena nota sobre a trajetória de Theodoro Fernandes Sampaio (1855-1937) foi selecionado do livro O Rio São Francisco e Chapada da Diamantina, originalmente publicado em 1905. A obra é resultado das suas observações de campo, por ocasião da sua participação na Comissão Hidráulica do Império entre 1879 e 1880. O propósito dessa empreitada foi realizar a melhoria do porto de Santos e da navegação pelo interior do país. Para tanto, se fazia necessário percorrer o Rio São Francisco, um rio considerado estratégico para o Império, responsável por integrar as províncias do sul e do norte. Durante a expedição, Sampaio registrou as suas impressões de viagens e realizou inúmeros desenhos, que se encontram sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia.




Crédito: Museu Afro Brasil.


Logo depois de formado em engenharia civil pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, aos 24 anos de idade, Theodoro ingressou nessa importante missão como engenheiro de segunda classe. Uma profissão que estava vinculada ao serviço público, cujo saber técnico era ligado ao Estado, a profissão compunha a tríade Engenharia, Medicina e Direito, consideradas as “profissionais imperiais”. Apesar do convite formal do senador Viriato de Medeiros, o seu nome foi ignorado da relação dos engenheiros nomeados no Diário Oficial por causa da cor da sua pele. Rapidamente, o constrangimento foi contornado pelo então senador.

Ainda durante o curso de engenharia, trabalhou como desenhista no Museu Nacional, onde conheceu Orville Derby, então chefe da seção de geologia com quem manteria estreitos vínculos de amizade. Em 1886, foi convidado pelo geólogo para integrar à Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, que se destinava a realizar pesquisas e levantamentos detalhados sobre o solo, clima, geomorfologia, geologia e hidrografia.

Entre 1898 e 1903, exerceu a função de diretor e engenheiro de saneamento do estado de São Paulo. Regressou a Salvador em 1904, envolvendo-se em projetos de urbanização e revitalização da cidade. Participou da criação do Instituto Histórico de São Paulo, foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia e sócio-correspondente da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Destacou-se como historiador, cartógrafo, geógrafo, linguista, além de deputado federal pela Bahia entre 1927 e 1929. Como homenagem, dois municípios brasileiros, na Bahia e em São Paulo, além de uma rua da cidade de São Paulo, receberam o seu nome.

De acordo com os seus biógrafos, Theodoro Sampaio não comentava as suas origens, consideram que trazer à tona o passado escravo poderia lhe causar alguma controvérsia. Pairam ainda algumas dúvidas sobre as suas origens familiares. O certo é que ele nasceu, cinco anos depois da extinção do tráfico negreiro, em 1855, no engenho de Canabrava, propriedade de Manoel da Costa Pinto, o visconde de Aramaré, grande fazendeiro e líder político local, a quem muitos atribuem à paternidade. A sua mãe era a escrava Domingas da Paixão do Carmo, apesar de outros estudiosos afirmarem que já havia sido alforriada quando nasceu. Coube ao capelão do referido engenho, Manoel Fernandes Sampaio, à responsabilidade pelos seus estudos primários na sua terra natal. Depois de formado em engenharia, Theodoro se dedicou à obtenção da compra da alforria dos seus irmãos Martinho, Ezequiel e Matias, em 1878, 1882 e 1884, respectivamente. Mas não há registros de que tenha se envolvido diretamente com a causa abolicionista, nem no movimento republicano. Manteve-se fiel às atividades relacionadas a sua profissão, apesar dos registros de algumas dificuldades de ordem financeira.

Ao longo da sua trajetória cultivou um seleto grupo de amigos como Orville Derby, Eduardo Prado e Euclides da Cunha, entre outros. Coube à Theodoro a incumbência de auxiliar Euclides durante a redação da obra Os Sertões, especialmente, dotando-o de informações de natureza geográfica sobre os sertões baianos. Ainda, por ocasião da perseguição sofrida pelo governo republicano, Theodoro acolheu o seu amigo, o monarquista Eduardo Prado, em 1896. Ao que tudo indica, a mudança de regime político em 1889 não atrapalhou a sua trajetória profissional, pois continuou bem atuante.

Sampaio publicou importantes estudos como O tupi na geografia nacional; O rio São Francisco e a chapada Diamantina; Atlas dos Estados Unidos do Brasil; Dicionário histórico, geográfico e etnográfico do Brasil. Obras que resultaram das inúmeras viagens realizadas e que englobam diversos temas, desde estudos sobre a hidrografia, as pinturas rupestres, os sítios arqueológicos, a língua tupi, até a história e a geografia do território nacional. Em sua narrativa, evidenciava as potencialidades econômicas, os hábitos e os costumes dos habitantes dos sertões, colaborando para uma representação e um imaginário sobre o sertão, o nordeste e o Brasil. De acordo com Caroline Vaz,


Theodoro Sampaio foi uma personalidade destacada no desenvolvimento dos estudos geográficos na Bahia e no Brasil. Além de exercer suas atividades profissionais enquanto técnico, fez grande esforço de articulação entre o campo teórico e o empírico, recorrendo a extensos trabalhos de campo e obtido reconhecimento perante o público, como Euclides da Cunha, Sampaio desempenhou papel relevante junto a este, ao ajudá-lo na realização de sua maior obra, Os Sertões, contribuição seminal para a criação de representações sobre o Brasil e o sertão, que, se perpetuam (Vaz, 2017).

* Luciene Carris é historiadora (UERJ).



Referências:


Costa, Ivoneide de França. O rio São Francisco e a Chapada Diamantina nos desenhos de Teodoro Sampaio. Dissertação (Mestrado em Ensino Filosofia e História das Ciências), Universidade Federal da Bahia, Universidade Estadual de Feira de Santana, 2007.


NASCIMENTO, Jaime Oliveira do. Teodoro Fernandes Sampaio (Verbete). CPDOC, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. Disponível em http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/SAMPAIO,%20Teodoro.pdf Acesso em: 14 out. 2021.


VAZ, Caroline Bulhões Nunes. Entre o sertão e a nação. Terra Brasilis (Nova Série), 8, 2017. Disponível em: https://journals.openedition.org/terrabrasilis/1981 Acesso em: 14 out. 2021.


SAMPAIO, Theodoro. O Rio São Francisco e Chapada da Diamantina: trechos de uma viagem. São Paulo, 1906. Disponível em http://biblio.wdfiles.com/local--files/sampaio-1905-rio/sampaio_1905_rio.pdf Acesso em: 13 out. 2021.


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