Rio de Janeiro, 02 de julho de 2022.
Luciene Carris*
Recentemente, a Biblioteca Nacional se tornou manchete das páginas de inúmeros periódicos e de outras mídias em razão de uma polêmica homenagem. Em que pese a controvérsia, me peguei refletindo sobre as minhas idas à instituição para pesquisar em seu acervo. Me veio a lembrança determinados episódios curiosos. Sou do tempo em que se pesquisava nos catálogos, naquelas fichinhas amareladas que ainda ficam disponibilizadas naqueles extensos armários de madeira. Atualmente, podemos utilizar os seus catálogos digitais até de casa. Quando comecei a pesquisar em seu acervo, cursava a graduação em História na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, por volta do final da década de 1990. Portanto, não havia a hemeroteca digital, que atualmente disponibiliza periódicos raros e extintos para consulta à distância. Sem dúvida isto foi um grande facilitador para as pessoas que também moram foram do Rio de Janeiro. Naquela época, a internet ainda engatinhava no Brasil, e a juventude de hoje não deve ter a menor ideia do que se tratava a internet discada.
Imagem publicada no jornal O Malho, em 12 de novembro de 1910, mostra o prédio da Biblioteca Nacional no dia de sua inauguração. Crédito: Site da BN.
Apesar de toda a dificuldade, que ainda guardo (é verdade), para utilizar aquele antigo aparelho utilizado para ler os periódicos microfilmados, uma visita a Biblioteca é um acontecimento especial. Para começar: como não se encantar com a sua construção? Um belíssimo prédio localizado numa região repleta de histórias, que é a Avenida Rio Branco, a antiga Avenida Central, cuja inspiração veio dos bulevares franceses idealizados pelo Barão de Haussmann, que modificou radicalmente Paris. A Avenida Rio Branco é uma justa e coerente homenagem ao Barão do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos Junior. O Barão se tornou herói nacional ao resolver antigas pendências territoriais, que se arrastavam desde o período colonial. Não por acaso, o Barão foi convidado para chefiar o Ministério das Relações Exteriores entre 1902 e 1912, quando faleceu no meio do carnaval e o carioca, que não é nada bobo, decidiu comemorar duas vezes a festa do Rei Momo naquele ano!
Praça Marechal Floriano.
Acervo Pessoal.
A proximidade da Biblioteca Nacional com a Praça Marechal Floriano, mais conhecida pelos cariocas como Cinelândia, e de outras construções importantes como a Câmara Municipal (Palácio Pedro Ernesto), do antigo Supremo Tribunal Federal, do Palácio Monroe e do Teatro Municipal, ou seja, demonstram como o lugar da política e da cultura estavam bem próximas. Ali na praça, podemos observar um monumento em homenagem ao Floriano Peixoto, que haveria de ficar conhecido como "Marechal de Ferro".
Acredito que muitos já escutaram a expressão “ir à cidade”, porque havia um outro sentido implícito, uma vez que a cidade ficava ali mesmo, e o resto era o subúrbio, o sertão, o rural, o lugar distante. É bem verdade que os cinemas de rua são um passado distante. E, ao que parece, o empresário espanhol Francisco Serrador idealizava reproduzir por essas bandas uma espécie de Time Square de Nova Iorque em solo tropical. Durante décadas abrigou as melhores salas de cinema como: Cine Odeon (que ainda resiste ao tempo), Cineac Trianon, Cinema Parisiense, o Império, o Pathé, o Capitólio, o Rex, o Rivoli, o Vitória, o Palácio, o Metro Passeio, o Plaza e o Colonial.
Monumento ao Marechal Floriano Peixoto (1910)
Acervo Pessoal.
Ainda recordo a primeira vez que pisei os pés na Biblioteca Nacional. Ao subir por aquelas escadas, ingressei no prédio, depois de resolvido onde guardar bolsas e outros apetrechos, me encaminhei para o salão da seção de obras gerais. Na verdade, fiquei na dúvida se parava para contemplar cada detalhe do lugar ou se me dirigia para os antigos armários de madeira, onde estão localizadas as tais das fichinhas.
Biblioteca Nacional.
Saguão principal com detalhe para o busto de D. João VI.
Acervo Pessoal.
A biblioteca bicentenária tem origem na coleção real, a Real Biblioteca que foi transportada em caixotes para o Brasil com a fuga da Família Real das tropas de Napoleão Bonaparte. Originalmente, funcionou no Convento do Carmo, tempos depois seguiu para a Rua do Passeio, onde funciona a Escola de Música do Rio de Janeiro. Mas o seu acervo cresceu (e continua crescendo), não havia espaço disponível para a acomodação de livros. Assim, o prédio que conhecemos foi inaugurado em 1910.
Biblioteca Nacional
Acervo Pessoal.
O projeto arquitetônico em estrutura metálica de cinco andares, em estilo eclético, coube ao general Francisco Marcelino de Souza Aguiar, e a construção foi coordenada pelo engenheiro Napoleão Muniz Freire e Alberto de Faria (ANDRADE, 2009). A biblioteca que tem como função “coletar, registrar, salvaguardar e dar acesso à produção intelectual brasileira, assegurando o intercâmbio com instituições nacionais e internacionais e a preservação da memória bibliográfica e documental do país”, guarda ainda algumas preciosidades, como o pergaminho datado do século XI com manuscritos em grego sobre os quatro Evangelhos e a primeira edição da obra Os Lusíadas, de 1572, de Luís de Camões. As bibliotecas nacionais têm um valor especial na história de cada nação. De acordo com Rosane Nunes, bibliotecária aposentada e ex-chefe do Divisão de Informação Documental (DINF) da Fundação Biblioteca Nacional, as bibliotecas:
são lugares de memória nacional, na medida em que sua configuração política e técnica requerem que ela seja o espaço de ordenação das políticas do Estado e da manifestação da sociedade em suas demandas culturais; são lugares de preservação do patrimônio intelectual porque concentram em sua estrutura uma história da cultura e das idéias de um povo (ANDRADE, 2009, p. 1).
Referências:
ANDRADE, Rosane Nunes. BIBLIOTECAS: LUGAR DE MEMÓRIA E DE PRESERVAÇÃO: O CASO DA BIBLIOTECA NACIONAL DO BRASIL. UNESP, São Paulo, FCLAs, CEDAP, v.4, n.2, p. 17-34, jun. 2009.
SCHWARCZ, Lilian; COSTA, Angela Marques da; AZEVEDO, Paulo César de. A longa viagem da biblioteca dos reis. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
*Luciene Carris é historiadora (UERJ).
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