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  • Foto do escritorLuzimar Soares

Sua benção Madrinha

Guarulhos, 15 de novembro de 2023.

Luzimar Soares*


Meu último escrito, foi sobre Costumes em comum, o que me despertou uma memória dos tempos de infância, nos muitos costume daquela época, que posso dizer que eram muitos, dentre os quais, tomar banho em açude, andar em pernas de pau, armazenar água em pote, levar água para o roçado em cabaças que chamávamos de moringa, (eram assim chamadas porque eram envolvidas em pedaços de tecidos que molhávamos para manter a água fria), utilizar areia molhada para resfriar bebidas, expor carnes salgadas ao sol de maneira artesanal, transformar o algodão em fios (fiar) para mandar tecer as nossas redes, etc. etc. e etc.


No entanto, não é sobre nenhum desses costumes que gostaria de falar, mas sobre os festejos de São João e São Pedro. Já é de conhecimento de todos que as festas juninas são eventos importantíssimos para a região nordeste do país. Vivi toda a minha infância e adolescência no meu estado natal, o Ceará; morei no interior todo esse tempo, esperando o mês de junho para participar das festas.



Crédito da Imagem: Sebrae/RS.


O mês de junho é celebrado por muitas razões, especialmente por ser o mês das colheitas de milho verde, melancias, abóboras e afins. Comer milho assado na fogueira de São João é uma das tradições mais legais, ainda que não saiamos para festas, em todas as casas dos sítios uma fogueira é acendida para iluminar a noite, assar milho e para estreitar laços entre as pessoas. Os laços feitos ao redor da fogueira, seguem um ritual. Ao redor da fogueira, podemos nos tornar primos, irmãos compadres, padrinhos e afilhados.


Vejamos o que diz o Diário do Nordeste sobre a tradição Junina:


Além da fogueira, as festas juninas trazem uma série de brincadeiras e folguedos para marcar as suas comemorações. O uso de balões e fogos de artifício durante São João no Brasil está diretamente relacionado com o tradicional uso da fogueira nas noites juninas. Segundo o folclorista Cacá Araújo, “é ainda no braseiro das fogueiras que são assadas as espigas de milho, repetindo um hábito que desde os Tupinambás é registrado na bibliografia mais acreditada. Os fogos de queima e explosão – foguetes, chuvinhas, vulcões, rojões, pitus, espadas e busca-pés – contrastam com os fogos de artifício, que encantam as noites frias e estreladas do ciclo junino”, destaca ele.

Na verdade, o trecho acima faz parte de uma reportagem com o tema: Compadrio firmado na fogueira junina, em uma matéria bastante extensa que trata dos costumes desse período. Para quem é de outras regiões ou mesmo os que vivem nas capitais e desconheçam essa tradição, para os interioranos, milho na fogueira é o inicio da noite.


As relações de parentescos e de apadrinhamento não são escolhidas pelas crianças, nascemos em determinada família e recebemos nossos padrinhos escolhidos por nossos pais, então, os festejos juninos são oportunidades de expandirmos nossos parentes e estreitarmos os laços com nossos afetos e nas noites de São João e de São Pedro, podemos nos tornar comadres e compadres, primas e primos, irmãs e irmãos, afilhadas e afilhados, bem como, madrinhas e padrinhos.


Para que isso aconteça, obviamente que é necessária uma afinidade, então, de maneira geral quem busca uma madrinha ou padrinho normalmente é uma criança ou adolescente que gosta muito de determinados adultos e lhes pede para apadrinhar. Fogueira acesa, ambos se posicionam um de cada lado da fogueira, estendem e dão as mãos e repetem: A ̸ O madrinha ̸ padrinho: São João disse, São Pedro confirmou para você ser minha afilhada/o que São João mandou.


A frase é alterada apenas para que cada um diga o que o outro será, ou seja, a afilhada diz: para você ser minha madrinha e assim, as relações vão se modificando; as meninas muito mais frequentes do que os meninos, escolhem suas amigas para virarem irmãs em volta da fogueira, lembrando que as frases precisam ser repetidas três vezes, e cada vez que se pronuncia as palavras, muda-se de lado da fogueira.


Tem versões diferentes para as datas, ou seja, na noite de São Pedro, a fraseologia muda pois, já é outro momento e, sendo assim, fica da seguinte maneira: São João dormiu, São Pedro acordou, para você ser minha madrinha que Jesus Cristo mandou. Tudo isso pode mudar de lugar para lugar e ter outras versões, o certo, porém é que a partir dessa cerimônia que apesar de ter sua herança na igreja católica, subverte a religiosidade e os envolvidos se tornam parentes por conta própria.


No mesmo jornal acima citado, é informado que os filhos de Patativa de Assaré se tornaram todos compadres.


Há também casos em que os irmãos são entrelaçados pelos liames do compadrio. É tão importante este tipo de relações que o próprio tratamento entre eles se modifica. Deixam de se tratar apenas pelo nome, mas antepõe sempre o de compadrio. Um exemplo clássico dessa amizade são os filhos de Patativa de Assaré, residentes na Serra de Santana. Todos eles são compadres entre si. “É uma forma de unir ainda mais a família”, justifica o filho mais velho do poeta Patativa, Geraldo Gonçalves.

Passados os festejos, os novos parentes, comadres, afilhadas e madrinhas tem obrigações umas com as outras. Nos interiores do nordeste, nas sextas-feiras santas, afilhadas(os) visitam seus padrinhos, levam presentes, e aqueles que passam a ter esses vínculo nas festividades também passam a fazer este ritual.


Tenho algumas madrinhas que escolhi durante a minha infância e seguimos os rituais, algumas já não vejo há muitos anos, na verdade quase todas, ficou apenas uma que é minha irmã mais velha e também madrinha. Desde que criamos esse laço a mais na nossa relação, a chamo de madrinha e tomo a benção. Sempre que as pessoas ouvem que ela é minha madrinha ficam com interrogações e este texto explica um pouco sobre minhas raízes, sobre nossos costumes, sobre nossas heranças e sobre a importância de laços de amor.


O trabalho de reviver memórias e contar histórias faz parte do que sou como historiadora. Buscar memórias e transformá-las em histórias é um dos exercícios que mais gosto de fazer.


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Referências:

DIÁRIO DO NORDESTE. Compadrio firmado na fogueira junina. Texto da Redação. Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/compadrio-firmado-na-fogueira-junina-1.112008. Acesso em: 10 nov. 23.



*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).



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