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  • Foto do escritorJorge Luís Rocha

Sobre Rosas Negras e Militantes


Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2023.

Jorge Luís Rocha*


Dezembro é rosa. Dezembro não é rosa? Rosa deveria ser. Não a cor que se quer ainda impor para as meninas. Dezembro deve ser rosa: Rosa Parks.


Foi num dezembro, há 67 anos atrás, que ela se revoltou. Um motorista – branco – exigiu que Rosa e outros três negros se levantassem para dar lugar a brancos que haviam entrado no ônibus. Ela se negou a cumprir a ordem e permaneceu sentada. Era o primeiro dia do último mês de um ano difícil. Estávamos na cidade de Montgomery, Estado de Alabama (EUA). A legislação local, segregacionista, obrigava que passageiros negros se sentassem na parte de trás dos ônibus. Além disso, podiam ser obrigados a ceder seus lugares para que passageiros brancos pudessem se sentar. Era comum a prática de fazer negros entrarem pela porta da frente para que pudessem pagar sua passagem, apenas para serem – em seguida - obrigados a descer e entrar pela porta dos fundos. O que evitava que “incomodassem” os brancos já embarcados.



Crédito da imagem: Flickr



Não foi a primeira vez. Centenas de mulheres, homens, crianças, foram constrangidos, humilhados. Nem sabemos seus nomes. Só os de alguns casos mais graves. Viola White também não se levantou. Era 1944 e ela acabou espancada. Por fim, multada! Faleceu dez anos depois, quando seu caso ainda estava em fase de apelação. Em 1950, a polícia matou Hilliard Brooks, um veterano da II Guerra Mundial, que se recusara a reembarcar pela porta dos fundos. Aparentemente estava alcoolizado e os policiais alegaram legítima defesa. Em 1955, Claudette Calvin, então com 15 anos, também se recusou a ceder seu lugar no ônibus. Foi presa. Rosa arrecadou fundos para o caso de Claudette. Ela, inclusive, se tornaria secretária do Conselho organizado por Rosa para os jovens, na Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), uma organização que lutava pelos direitos civis dos negros; na mesma cidade que agora servia de palco para Rosa. O objetivo era que Claudette contasse seu caso tantas vezes quanto fosse necessário à conscientização da comunidade. Rosa acreditava que os jovens deveriam ser ouvidos e tratados com dignidade.


Nem para ela, foi a primeira vez. Já fora expulsa de outros ônibus por se recusar a entrar pela porta dos fundos, conforme ordenava a lei local. Inclusive, pelo próprio motorista que a mandou prender na vez em que se recursou a obedecer.


A prisão de Rosa provocou um grande protesto que resultou em boicote aos ônibus da cidade. Trabalhadores negros e simpatizantes passaram a caminhar – mesmo que quilômetros - em direção ao trabalho, causando grandes prejuízos. O movimento contra aquele absurdo durou um pouco mais de um ano. Dizem que foi o primeiro movimento contra a segregação que saiu vitorioso em terras norte-americanas – eu acredito.


Muitos a quiseram recatada e “do lar”. Uma mulher pacata e comum, que cansou de ser humilhada e explodiu. Eu, heim Rosa! A vida dela não foi um samba cheio de malandragem. Ela não era dócil. Nem estava cansada demais para levantar do banco em que estava sentada. Estava cansada, sim, das inúteis reuniões da comunidade negra com as autoridades de sua cidade. Promessas se enfileiravam, sem solução de respeito pela igualdade de direitos. Naquele dia, quando os policiais subiram no ônibus, ela não se calou: “Por que nos perseguem?” Estava mais para Malcolm X do que Luther King – como acabou sugerindo em suas memórias.


Rosa Louise McCauley nasceu em Tuskegee, Alabama, no Sul dos Estados Unidos, em 1913. Como tantas crianças pobres, foi obrigada a abandonar seus estudos para ajudar a família. Só conseguiu terminar o Ensino Médio aos 21 anos, com o apoio do marido, Raymund Parks, militante da mesma NAACP.


Ela não esperava a repercussão do seu gesto. A reação da comunidade e o boicote foram uma grande surpresa para ela. A polícia perseguiu as lideranças. 89 líderes do movimento foram indiciados, pela prefeitura, com base em uma antiga lei anti-boicote. Rosa estava entre esses presos. É dessa época, 1956, a famosa foto registrando a tomada de suas digitais em uma delegacia.


Apesar do movimento vitorioso, Rosa passou a receber ameaças de morte e não conseguia emprego. O que a obrigou a tentar a vida no norte, com o marido e a mãe. O deputado democrata John Conyers Jr., a contratou para trabalhar em seu escritório em Detroit, no Michigan. Naquela cidade, morou por quase 50 anos e vivenciou os cinco dias de intensos confrontos que se seguiram a invasão policial a um bar negro. Era 1967. Cerca de 43 pessoas foram mortas. Destas; 33 negras. A oscarizada diretora Kathryn Bigelow, transformou a tragédia em filme, de 2017. Que venham outros “Detroit em Rebelião”!


Ela não parou: participou de outros movimentos e eventos. Fez parte do Black Power Conference em 1968, na Filadélfia, que exerceu profunda influência na política eleitoral negra. E da National Black Political Convention, em 1972, em Gary, Indiana - onde cerca de 10 mil pessoas se reuniram para discutir e defender as comunidades negras que passavam por uma crise socioeconômica terrível.


Trabalhou em muitos comitês de defesa de presos, como os que foram direcionados para defender Os 10 de Wilmington (WilmingtonTen), de 1971, na Carolina do Norte; Joan Little, acusada de assassinar um guarda prisional branco, em 1974; e Gary Tyler, acusado do assassinato de um menino durante protestos violentos em Louisiana, também em 1974.


Até o fim de sua vida, aos 92 anos, Rosa acreditou que havia muito mais trabalho a ser feito na luta por justiça racial e social. A um grupo de estudantes da Spelman University, em Atlanta, na Geórgia, afirmou: “Não desista e não diga que o movimento está morto”.

***

Antes que se deixe passar:


Dezembro é verde! Uma campanha que, no Brasil, busca a conscientização para combater o abandono e os maus-tratos aos animais. Desde 2017, diversos projetos de lei, inspirados pelo movimento, vêm ampliando o alcance da posse responsável e o respeito aos direitos animais.


Referências:


Instituto Rosa e Raymond Parks. Disponível em: http://rosaparks.org Acesso em: 01 dez. 2022.

KLEFF, Michael. 1955: Rosa Parks se recusa a ceder lugar a um branco nos EUA. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/1955-rosa-parks-se-recusa-a-ceder-lugar-a-um-branco-nos-eua/a-340929. Acesso em: 01 dez. 2022.

Rosa Parks biography: a resource for teaching Rosa Parks. Disponível em: http://rosaparksbiography.org. Acesso em: 02 dez. 2022.

THEOHARIS, Jeanne; BURGIN, Say. Sobre Rosa Parks. Disponível em: https://aterraeredonda.com.br/sobre-rosa-parks/. Acesso em: 02 dez. 2022.



*Jorge Luís Rocha é Professor e historiador. Possui pós-doutorado e doutorado pela UERJ, mestrado pela UFF e especialização pelo Museu Histórico. É professor na FFP, da UERJ, em São Gonçalo, e instrutor , e instrutor da Escola de Administração do TJRJ.

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