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Poty or not Poty? Arte, Beleza e resistência.

Toronto, 01 de abril de 2022.

André Sena*



Em 2006 ganhei de presente minha primeira obra de arte legítima. Primeira e única até agora, por razões que possivelmente eu nem precise explicar. Tratava-se de uma belíssima gravura do artista plástico paranaense Poty Lazarotto.


Crédito da imagem: Sentido do Viajar.

Assinada por ele, eu recebia das mãos de um velho leitor e frequentador da Biblioteca onde trabalhei por 12 anos um presente inestimável, mas que se quisesse poderia transformar-se na entrada de um bom apartamento no Rio de Janeiro.


Não quero. Não consigo. Desfazer-me desta gravura legítima, de um Poty Lazarotto original em troca da minha alforria do aluguel poderia ter me traumatizdo para sempre. Um dia quem sabe terei um teto para chamar de meu: aqui ou aí. Mas não as custas de meu pequeno tesouro. Especialmente porque todos os dias penso nesta pequena peça e recordo que ela me foi entregue por alguma razão. Um sinal dos céus. Ela simplesmente tem muito a me dizer, o que é pessoal demais para compartilhar aqui. Mas sem perceber, meu generoso admirador me presenteou com um resumo pictográfico da minha própria vida, do ano 01 até o 48. Sem tirar nem por.


Napoleon Potyguara Lazarotto nasceu em Curitiba (cidade pela qual sou apaixonado!) em 1924. Você pode chamá-lo do que quiser: gravador, muralista, pintor, ilustrador, desenhista, artista plástico, professor. Ele é mesmo tudo isso. Eu o chamo de gênio. Só. Gênio que soube traduzir sua identidade regional casada a universalidade de todo aquele que veio a este mundo marcado pela chancela incontornável da arte.


Em 1942 Poty muda-se para o Rio de Janeiro, dedicando-se de corpo e alma à Escola Nacional de Belas Artes como discípulo da disciplina gravura, ministrada por nada mais nada menos do que o italiano Carlos Oswald, físico e matemático que abandonou tudo pelas belas artes da pintura e da gravura. Se você não sabe quem é Oswald eu posso ser mais objetivo: foi ele quem elaborou o desenho final do Cristo Redentor, posteriormente fixado no Morro do Corcovado, no mesmo Rio onde Poty estudara.


Depois do Rio viria Paris, onde Poty permaneceu por um ano estudando a arte da litografia na École Superieure de Beaux-Arts. Costumo dizer que ninguém volta de Paris a mesma pessoa. Não volta mesmo! Se voltar é porque não foi a Cidade Luz de verdade! Com Poty foi assim. Vai estudante, aprendiz, volta questionador, revolucionário e funda aqui um “movimento” chamado Escola LIVRE de Artes Plásticas. Nem preciso dizer que a palavra em caixa-alta explica tudo. LIBERDADE E CRIAÇÃO!


Na companhia do historiador da arte Flávio Lichtenfels Motta (igualmente desenhista!) Poty Lazarotto organiza um curso de Arte e Gravura no Masp. Deseja compartilhar o que aprendeu, o que sabe e o que vive com os outros. Espalhar as artes plásticas pelo país. Interferir em nossa história cultural. Contribuir para o nosso desenvolvimento. Ato de amor e abnegação em um país tão açoitado por vilipêndios de toda espécie como o nosso. Heroísmo até!


Ilustrou obras literárias de grandes gênios brasileiros como Euclydes da Cunha, Jorge Amado e Graciliano Ramos. Quando passeamos por Paris vemos suas gravuras ornando a Maison du Brésil. Quando vamos a Curitiba as obras de Poty nos surpreendem em muitas de suas praças e esquinas com suas obras monumentais em concreto, como a inesquecível fachada do Teatro Guaíra, onde meu marido Fábio estudou e dançou por tantos anos. O painel do Memorial da América Latina em São Paulo tem a sua assinatura e na minha antiga casa no Rio, meu petit-Poty ficava em um sanduíche de vidro, especialmente preparado para acondicionar aquilo que me coube ter de seu.


Esse filho de imigrantes italianos soube como poucos enxergar na alma brasileira mais mistérios do que pode supor nossa vã experiência cotidiana. Poty, como tantos outros gênios nacionais, desmerece por completo o nosso esquecimento. Porque se são nossos gênios isto não pode ser por acaso. Algo de especial devemos ter como povo para dar frutos tão significativos como este gravurista de renome mundial, que nos deixou para sempre em 1998.


Prestar ou não atenção nessas expressões da cultura brasileira pode ser uma mistura (por vezes trágica) de projeto educacional e escolha pessoal. Mas penso que chegou a hora de assumirmos o primeiro para nós mesmos, sem esperar de qualquer governo aquilo que podemos fazer por nossas próprias mãos e corações. O que não pudermos fazer tenha certeza de que governos e Estados farão muito mal. Sempre.


Portanto, Poty or not Poty, seja o artista brasileiro que for, nos tornarmos consumidores de arte no Brasil de hoje passou a ser muito mais do que um hobby burguês ou uma fantasia aristocrática: é agora um ato político de resistência e insistência que pode e deve ser estimulado por educadores e formadores de opinião. A mudança que desejamos ver urgente na pauta política brasileira poderá encontrar na arte e na vida cultural um poderoso aliado e um frutuoso ingrediente.


*André Sena é historiador (UERJ).


REFERÊNCIAS:

BOSI, Afredo. Reflexões sobre a Arte. Ed. Ática, 2004.

__________ Curitiba de Nós. Fundacão Cultural de Curitiba, 1975.

PEDROSA, Adriano, DUARTE, Luisa. Arte Brasileira Contemporânea. Cosac&Naify, 2014

KOSSOVITCH, Leon, LAUDANNA, Mayra. Gravura: Arte Brasileira do Século XX. Cosac&Naify, 2000.



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