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Foto do escritorLuzimar Soares

Politica não se discute, será?

Atualizado: 7 de out. de 2022

Guarulhos, 01 de outubro de 2022.

Luzimar Soares*



Estamos, literalmente, nas vésperas de mais um pleito eleitoral. Dessa vez, não muito diferente das últimas eleições presidenciais, as disputas estão acirradas e a violência tem atingido níveis muito preocupantes. A bem da verdade, violência na política no Brasil não é exatamente uma novidade. Já vivemos muitos episódios deploráveis, mortes, prisões arbitrárias, perseguições, ameaças, tudo isso sem contar com as mentiras. Essas, inclusive, institucionais e cada vez mais “sofisticadas”, para não dizer inescrupulosas com o uso das famosas deep-fakes. Então, é necessário olhar com atenção para essas violências.



Crédito da imagem: Site do TSE.


Minhas primeiras memórias sobre eleições, aquelas que realmente guardo de forma mnemônica, são as do ano de 1982. Naquele momento da minha vida, trabalhava para ter direito a frequentar a escola, portanto, pela primeira vez, morava na cidade e, por conseguinte, tinha proximidade com as urnas eleitorais, ou melhor, com as cédulas de votação e com os boletins de apuração.


A cidade de Acopiara, no interior do estado do Ceará, elegeu, naquele ano, o candidato do PDS, Antonio Gaspar do Vale, com um total de 9.653 de votos. E o período de apuração e contagem dos votos seguia um ritual que reunia as pessoas no entorno do local onde era feito o cômputo dos votos. Partidários dos candidatos e os próprios concorrentes ficavam ali aglomerados, gritavam de alegria ou de fúria. Sempre um lado ficava insatisfeito, os xingamentos eram entoados por quem questionava o resultado divulgado.


Ali naquelas horas em que todos ficavam aguardando ansiosos e discutindo os próximos passos, questionar a contagem, pedir recontagem dos votos, desacreditar o processo, aceitar o resultado, tudo era confabulado. Todas as emoções à flor da pele, as pesquisas questionadas, mas, especialmente, a lisura da ação dos fiscais e das pessoas que faziam a contagem.


Naquele ano, quando eu ainda não era votante, percebi algumas coisas que carrego comigo. As cédulas de votação, bem como o sistema de apuração eram sempre contestados, e se dizia que era preciso um sistema que fosse mais confiável. Mas, especialmente, ouvia dizerem que “política é para os adultos” (eu era criança), portanto, não deveria discutir política e nem o sistema eleitoral. Mas sou teimosa, então, ia junto com os adultos, ficava ouvindo as conversas e esperando os boletins. Minha próxima eleição, a de 1986, já em momento de efervescência política e do país caminhando para a Constituinte de 1988, tive mais proximidade. Fiz, inclusive, distribuição de santinhos para candidatos. Mas foi em 1989 que realmente comecei a buscar informações sobre porque as pessoas continuam dizendo que não se discute política.


Hoje, em 2022, estamos no espaço temporal em que as inverdades aparecem como verdade, os especialistas são colocados em dúvida o tempo todo, e as correntes de WhatsApp se tornam “verdades inquestionáveis”. Isso, por si só, me faz voltar ao passado e recordar que meu pai, (hoje, com 90 anos), sempre se posicionou politicamente, sempre discutiu com os vizinhos as candidaturas; mesmo que não tivesse grande conhecimento sobre assuntos mais complexos, sempre conversou e discutiu.


Dispensado da obrigatoriedade de comparecer às urnas, ele quer votar esse ano, e esse fato me despertou alguns questionamentos. Quando nos entendemos enquanto partícipes da sociedade, seres sociais, responsáveis por nossas escolhas, a obrigatoriedade não é o que nos move, mas a civilidade. Essa civilidade desperta a vontade de ser produtivo para o coletivo, pois, quando nos vemos enquanto coletividade, sabemos da importância da democracia, e, portanto, defender os direitos de todos é imperativo.


Grande parte das lutas do meu pai foi pelo bem-estar dos filhos. Para isso, ele sempre buscou uma forma de fazer com que nós frequentássemos a escola e nos tornássemos pessoas mais conscientes da realidade. Sempre nos sentamos e conversamos, na verdade, mais ouvíamos do que nos expressávamos. Mas ele, absolutamente todos os dias, parava às 19h para ouvir a Voz do Brasil, (não tínhamos acesso à energia elétrica), portanto, ele se informava das novidades através do rádio.


Fazendo o exercício de ir e voltar na História, olhar para o passado e buscar elementos que, se não explicam na totalidade o presente, pelo menos nos dão indícios de como determinadas situações acontecem, vemos que o direito ao voto universal, ou seja, o sufrágio universal, é muito recente. As nossas sociedades sempre decidiram as coisas do alto de seus privilégios. Quando falamos de Brasil, as elites traçaram o caminhar de toda a sociedade sem a menor preocupação com aqueles que não eram parte do poder. Mulheres só puderam votar a partir de 1932, bem como o voto como conhecemos hoje, com todos tendo o direito ao voto, existe apenas a partir de 1988.


Promulgada após 24 anos de ditadura militar, a Constituição de 1988 restaurou os direitos políticos dos brasileiros. Com ela, o voto passou a ser direto, secreto e com valor igual para todos. O bipartidarismo foi extinto, bem como as eleições indiretas, e assim diferentes ideias e posições passaram a ser representadas nos poderes Executivo e Legislativo. De acordo com o texto, são facultativos apenas os votos de maiores de 16 anos e menores de 18, analfabetos ou maiores de 70 anos. Com uma declaração de direitos robusta e pela inclusão do voto em vários casos, como para presidente da República, a Constituição assegurou o atual regime político após o fim da ditadura, disse o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) José Levi Mello do Amaral Júnior.

A Constituição Cidadã trouxe, a reboque, o reconhecimento de que todos têm direito de exercer sua escolha eleitoral, mesmo que, no imaginário popular, a frase “política não se discute” permaneça. A educação tem promovido alterações nessa premissa. Justamente por isso, acredito piamente que sim, discute-se política, mas, para muito além disso, é preciso ensinar política nas escolas, discutir política nas associações de bairro, fazer rodas de conversas para entender propostas, guardar nomes de seus candidatos, especialmente os legisladores, cobrar o cumprimento de suas promessas de campanha. Fazer política não é só para os políticos, mas para todo cidadão ̸ cidadã que busca ter seus direitos respeitados.


Sim, política se discute, estuda-se, pratica-se e se vive política.

Vote, vote com consciência, faça valer seu direito.





Referências:


Direito ao voto. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/constituicao-30-anos/textos/direito-ao-voto-e-participacao-popular-tambem-estao-previstas-na-constituicao. Acesso em: 26 de set. 2022.

Prefeito de Acopiara – CE. Disponível em: https://www.tre-ce.jus.br/eleicao/resultados. Acesso em: 26 de set. 2022.


*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).

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