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  • Foto do escritorAndré Sena

O Jardim de Infância de Afonso Pena

Atualizado: 20 de fev. de 2023

Toronto, 17 de fevereiro de 2022.

André Sena*


Em 8 de janeiro de 1940 o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt discursava para o Congresso de seu país em Washington, e afirmava entusiasticamente que “o futuro pertencerá aos políticos que sabiamente compreenderam que o grande público se interessa muito mais pelo governo do que pela política.” Trinta e quatro anos antes disso, ouvíamos da boca de um presidente brasileiro algo assustadoramente semelhante, embora amparado em um certo jargão caudilhesco, típico da elite política imperial brasileira, que agora se encarregava de construir o Brasil republicano. Afonso Augusto Moreira Pena, político de carreira e sexto presidente da República, discursava no Rio de Janeiro e deixava claro, dono de uma impecável oratória, que a composição do governo lhe cabia enquanto chefe do executivo, e que a finalidade política do governo era efetivamente...governar



Crédito da imagem: Biblioteca Nacional.



Político que iniciou sua carreira na Corte imperial do Rio (para a qual trabalhou e à qual serviu pessoalmente como funcionário em sua juventude) Afonso Pena, um ardente defensor do regime monárquico brasileiro, declarou abertamente ainda na década de 1870, suas convicções abolicionistas, trabalhando ativamente como advogado de escravizados em processos penais. Recuou-se a assinar o Manifesto Republicano de 1870, sem que isso lhe impedisse de trabalhar na desconstrução do edifício da escravidão, seja como advogado ou como político, declarando publicamente seu voto a favor da Lei Áurea de 1888 no parlamento imperial. Sua crítica era, entretanto, muito mais técnica do ponto de vista econômico, do que propriamente humanista, de tipo nabuquiana.


Entendia Afonso Pena que um modo de produção alicerçado na mão de obra escravizada era contraproducente do ponto de vista moral, constituindo-se igualmente em um empecilho à modernização das finanças nacionais, desfavorecendo a formação de uma genuína economia de mercado no Brasil, alijando-o, portanto, das tendências internacionais de sua época, especialmente a partir da ascensão dos Estados Unidos e de outros atores internacionais como potências econômicas no cenário mundial. Neste sentido, o credo abolicionista que professava enquanto indivíduo e homem da política, não o deteve quando na presidência da província de Minas Gerais teve de aplicar a lei vigente (imoral e ao mesmo tempo legal), prendendo escravizados fugidos e processando aqueles que os acolhiam. Era durante a Monarquia, nesse sentido um reformista, que acreditava na desconfiguração gradual, técnica e legal da escravidão no país.


Curiosamente, sua atuação na presidência da república ganhou um outro ímpeto, se comparado a crença que tinha Afonso Pena na velocidade contida e moderada dos processos históricos e políticos enquanto atuou no Império. Durante os dois anos e meio em que foi presidente, Afonso Pena consolidou a economia cafeeira brasileira, acenando para as oligarquias e aplicando o Convênio de Taubaté de 1906, construído no governo anterior, do qual também fizera parte. Ao colocar em operação o Convênio, garantiu ao mesmo tempo o apoio dos grandes cafeicultores paulistas e a presença no mercado internacional do café brasileiro a preços competitivos, ainda que subvencionados pelo Estado.


Talvez o fascínio que Afonso Pena exerça sobre alguns historiadores encontra-se exatamente em uma certa política fora do tom que marcou seu curto e ao mesmo tempo expressivo mandato presidencial. Apesar de Taubaté, as elites paulistas nunca foram completamente fiéis a ele e mostraram suas garras rapidamente, ao ver o governo Pena dirigir políticas públicas importantes do ponto de vista estratégico para outras regiões brasileiras, retirando das oligarquias tradicionais parte de sua capacidade de controle sobre recursos monetários nada desprezíveis. Senão vejamos:


A partir do lema de seu governo “Governar é Povoar”, Afonso Pena criou a ferrovia Noroeste Brasil, ligando Bauru à Corumbá, espraiando a produção e a circulação de bens e pessoas para além do tradicional espaço do Sudeste brasileiro. Nem o Café nem o Leite apreciaram essa “corrida para o Oeste”, executada pelo Catete, que no mesmo pacote conseguiu estender em tempo recorde os cabos de telégrafo para a região Norte do país, de olho na ainda volumosa (embora já minguante) economia da borracha. Possivelmente sua experiência como presidente do Banco da República no passado, deu-lhe a medida da necessidade de incrementação econômica de regiões periféricas ou não economicamente polares, no sentido de diversificar a circulação de riquezas, mas também de engendrar o desenvolvimento regional.


Se durante a presidência da província de Minas Gerais, Afonso Pena fez o que pode para conter a imigração chinesa para a região, com argumentos bem pouco justificáveis (o Canadá algumas décadas antes compreendeu a vitalidade dos chineses como mão de obra para finalidades semelhantes entre Toronto e Vancouver), em 18 de junho de 1908, na presidência do Brasil, trouxe o Kasato Maru para o porto de Santos, apinhado de japoneses, que trabalhariam na lavoura, na economia do café, mas também nas industrias de bens e serviços que viriam pela frente, para o desconforto de uma elite branca, que via uma imigração de tipo europeia como sendo a mais adequada para uma república sul americana decente. O que sofreram os nossos primeiros japoneses e depois seus descendentes nipo-brasileiros no Brasil é um tema dramático, mas tão interessante quanto pouco visível do ponto de vista da pesquisa historiográfica em nossas academias ainda nos dias de hoje.


Para tudo isso, Afonso Pena compreendeu, como velha (mas não caduca) raposa política, que não poderia cercar-se de ministros viciados em velhas perspectivas reformistas de administração pública. A escolha de ministros jovens para o seu governo foi objeto de grande crítica em todo o país, e seu gabinete de ministros “entrou para a história” sob a pecha de o Jardim de Infância de Afonso Pena. Essa crítica na escolha das pastas ministeriais foi tão profunda que rendeu frutos até hoje. É muito comum ouvirmos historiadores explicarem as razões da escolha do presidente por ministros jovens a partir de uma perspectiva simplificadora, quando não etarista, na medida em que uma juventude necessariamente inexperiente seria mais cordata e obediente aos ditames presidenciais do velho presidente.


Não me parece que esse argumento elucide satisfatoriamente as razões de sua estratégia, ao empoderar jovens, que até mesmo lhe fizeram oposição ainda no governo, como Hermes da Fonseca, ao mesmo tempo em que modernizava o exército em consonância com a própria agenda presidencial. O etarismo poderá turvar a nossa possibilidade de enxergar com mais propriedade o ineditismo de Afonso Pena, rompendo com seus predecessores, todos cercados de políticos tradicionais e de longa estrada no poder. A necessidade de modernização do país estava no ar como projeto republicano, transcorrendo por várias administrações presidenciais da Primeira República, mesmo com toda a sua complexidade, freios e contrapesos.


E talvez Afonso Pena, ironicamente graças aos seus longos anos e cabelos brancos, tenha percebido com certa sagacidade administrativa, que as mudanças que desejava para o país residiam em cabeças mais jovens que a sua. Pode ter sido muito mais uma aposta na juventude, do que simplesmente estar cercado de infantes que ouviriam sem questionar suas ordens e desejos. Há provavelmente muito mais por detrás dessa escolha, do que simplesmente um presidente inseguro, temeroso de ser questionado e desconfiado de seus contemporâneos.



REFERÊNCIAS:

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. Ed. Brasiliense, 1990.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Formação do patronato político brasileiro. Ed. Globo, 2001.

CARONE, Edgard. A República Velha. Instituições e Classes Sociais. Ed. DIFEL, 1974.

LYNCH, Chrystian Edward Cyril. Da Monarquia à Oligarquia. História Institucional e Pensamento Político Brasileiro (1822-1930). Ed. Alameda, 2014.



*André Sena é historiador (UERJ).



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