Guarulhos, 01 de dezembro de 2022.
Luzimar Soares*
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), idoso é a pessoa com 60 anos ou mais. No ano de 2015, foi publicado um documento internacional de caráter jurídico, a Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas.Esse documento traz, em seus vários itens, a descrição do que é ser idoso. Ali, lê-se: - “Idoso”: Pessoa com 60 anos ou mais, exceto se a lei interna determinar uma idade base menor ou maior, desde que esta não seja superior a 65 anos. Este conceito inclui, entre outros, o de pessoa idosa.
Crédito da imagem: Wix.
Esse é um documento internacional, portanto, deve ser observado por todos. Nacionalmente, temos os direitos das pessoas idosas garantidos desde a Constituição Cidadã de 1988, passando pelo Estatuto do Idoso (2003), chegando a 2022 com a Lei nº 14.423, de 22 de julho de 2022. Esta lei altera o Estatuto de 2003 e traz providências. Um parágrafo, mais especificamente o contido no artigo dez, é onde está especificado de quem é a obrigação de cuidar das pessoas idosas: É obrigação do Estado e da sociedade assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
Exposto o preconizado por lei, gostaria de fazer um “passeio” pela sociedade e seus comportamentos com relação à pessoa idosa. Convivo com idosos tanto na minha vida profissional e estudantil quanto na pessoal, e essa convivência me permite observar muitos comportamentos. De maneira geral, existe uma romantização da vida da pessoa idosa, ou seja, quando se diz que na família tem alguém com 80, 90 anos ou mais anos, sempre ecoa uma frase muito comum: “isso é uma bênção”.
Todavia, passando para a cotidianidade, é preciso que nos entendamos enquanto sujeitos que não fomos ainda ensinados a respeitar o espaço dos outros. Faço essa afirmativa baseada em observações muito simples, tais como, as vagas de estacionamento. Um bom exemplo disso pode ser visto no aeroporto internacional de São Paulo, em Guarulhos. O uso da vaga para pessoas idosas, determinado por lei, é que o carro ali estacionado deve ser identificado com um cartão emitido pelos órgãos oficiais em nome da pessoa idosa.
Essas identificações não são encontradas nos carros estacionados e, se ficarmos observando um pouco, motoristas e passageiros são pessoas jovens, sem nenhuma necessidade especial e, portanto, não deveriam utilizar aquelas vagas. As vagas demarcadas seguem o que é mandatório pelo Estatuto do Idoso de 2003: é obrigatório reservar 5% das vagas de estacionamentos públicos e privados para este público. Se apenas essa porcentagem é destinada a idosos, por que outros públicos usam essas vagas? Um dos motivos é a distância, pois as vagas especiais devem ser obrigatoriamente perto da entrada, e as pessoas escolhem justamente “caminhar menos”. Por isso, colocam seus carros ali, deixando aqueles que realmente precisam obrigados a fazerem longas caminhadas.
Obviamente, este não é o único lugar onde a incapacidade social de compreender as pessoas idosas se manifesta. Pessoalmente, acompanho meus pais em alguns lugares, (ela tem 84 anos, ele 90). Observar como eles são tratados é parte do caminhar junto para possibilitar seus deslocamentos. Nessas saídas, é possível perceber o incômodo que a presença deles causa. Os pés batendo como sinal de impaciência de quem está atrás, a irritação de alguns atendentes quando eles demoram para responderem um questionamento, o tamborilar dos dedos de quem espera por uma assinatura.
Evidentemente, não generalizo o comportamento social, mas quero chamar a atenção para algo muito comum que é o etarismo. Bem como a violência impingida às pessoas idosas, dados levantados pela OMS, apontam que 01 em cada 06 idosos passaram por episódios de violência no ano de 2020. Lembrando que este foi o ano do auge da pandemia da Covid-19, sendo assim, o isolamento contribui para aumentar a vulnerabilidade de grupos já vulneráveis, tais como: crianças, mulheres e idosos.
As violências são de todas as formas, muitas vezes são sutis, quase que imperceptíveis, mas podem ter um peso importante na vida das pessoas que já estão vulneráveis. Não raro, ao atingir determinada idade, são demitidos, não lhes é perguntado se querem continuar no trabalho. É sabido que somos educados a produzir e, ao serem demitidos, muitos entram em depressão, pois deixam de se sentirem úteis à sociedade, bem como à sua família. A recolocação no mercado de trabalho é cada dia mais difícil.
Com a chegada da idade, vêm também dificuldades de saúde, no entanto, é perfeitamente possível uma vida produtiva com limitações de saúde, mas nem sempre o empregador quer alguém com um nível de absenteísmo que, para ele, não é interessante. Por isso, é mais produtivo, para a empresa, o desligamento desse profissional, o que é considerado totalmente normal, afinal, a economia precisa girar.
Os números apontam que, em 2050, a quantidade de pessoas com mais de 60 anos atingirá a marca de 22% da população total do mundo, o que se significa dizer que precisamos mudar a forma como vemos a população idosa. É preciso educar a sociedade para entender e colocar em prática os direitos e respeitar os espaços, valorizar cada idade; e compreender que, mesmo depois de parar de produzir, as pessoas idosas podem, devem e contribuem muito para a sociedade através de suas memórias, ensinamentos e cuidados.
Esperar pessoas idosas atravessarem um farol de trânsito, aguardá-los enquanto reconhecem as cédulas de dinheiro para efetuar um pagamento, auxiliá-las a encontrarem seus lugares nos assentos nos transportes, falar devagar, repetir tantas vezes quantas forem necessárias para que compreendam, buscar novos vocábulos para falar entendendo a distância temporal e o nível de conhecimento. Mas, acima de tudo, respeitar o limite das pessoas idosas pode ser um início de caminhar para diminuirmos a violência contra as pessoas.
Sonho com o dia em que a sociedade e o Estado coloquem em prática o apregoado nas leis: parem com a violência e valorizem seus cidadãos, acolham seus idosos e compreendam que a idade não é sinônimo de incapacidade, mas sim, de memórias e histórias.
Referências:
Brasil. Lei nº 14.423, de 22 de julho de 2022. “Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências.” Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Lei/L14423.htm#art1. Acesso em: 27 de nov. 22.
Brasil. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 27 de nov. 22.
CONVENÇÃO interamericana sobre a proteção dos direitos humanos dos idosos. Disponível em: file:///C:/Users/luzim/Documents/Blog/conven%C3%A7%C3%A3o-interamericana-sobre-a-prote%C3%A7%C3%A3o-dos-direitos-humanos-dos-idosos-OEA.pdf. Acesso em 27 de nov. 22.
OMS – Organização Mundial de Saúde. Disponível em: https://www.who.int/pt. Acesso em: 27 de nov. 22.
O que são os direitos dos idosos? In: Politize. Disponível em: https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/o-que-sao-direitos-dos-idosos/?gclid=CjwKCAiA7IGcBhA8EiwAFfUDscew_T01B0SLjQc2aKluvPp5vKCZoi-9P-D-R_kWtKLkJBg1MCm-SBoCboYQAvD_BwE. Acesso em: 27 de nov. 22.
*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).
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