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  • Foto do escritorAndréa Queiroz

Da Academia ao barracão, do barracão à Academia: a UFRJ e o Carnaval


Rio de Janeiro, 15 de março de 2023.

Andréa Queiroz *

Juliano Leal Camargo **



A relação da UFRJ com o carnaval é uma longa História. No final da década de 1950 e início dos anos 1960, a Academia passou a frequentar os barracões e a arte carnavalesca passou a ser objeto universitário de pesquisa, basta acompanhar a produção institucional produzida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que incluem diversos tipos de materiais e em sua maioria estão disponíveis para pesquisa tanto na Base Minerva (https://minerva.ufrj.br/), quanto no repositório Pantheon (https://pantheon.ufrj.br). Como também, as publicações editadas pela Editora da UFRJ.


Rosa Magalhães e Lícia Lacerda comemorando o título do Império Serrano Disponível em: https://bit.ly/3LobD1X



Levando em consideração a produção de Teses e Dissertações defendidas em diversos Programas de Pós-graduações da UFRJ, que contenham como assunto principal o carnaval, elaboramos um gráfico demonstrativo, e notamos que a referida temática tem a sua estreia como objeto de estudo no ano de 1975 e o seu ápice de defesas em 2013. Essa é uma pequena observação, mas cabe uma análise das especificidades dessas pesquisas dentro da Academia, como também uma onda de interesse crescente sobre o assunto, o que pode ser um incentivo para futuros trabalhos a serem desenvolvidos.



Fonte: Base Minerva. Produção dos autores, 2023.



A Escola de Belas Artes (EBA) da UFRJ, sobretudo, mas não apenas, tem um importante papel nesse processo, além de ter formado muitos dos carnavalescos que atuam na contemporaneidade no carnaval das grandes agremiações cariocas, como: Márcia Lage (EBA/UFRJ); Leandro Vieira (EBA/UFRJ); Jack Vasconcelos (EBA/UFRJ); Annik Salmon (EBA/UFRJ); Guilherme Estevão (FAU/UFRJ); Paulo Barros (Letras/UFRJ); entre outros, a EBA também possui grandes mestres que deram início a esse processo de integrar o ensino acadêmico ao carnaval, e passaram a fazer parte do corpo social das Escolas de Samba. Foram e são professores que se dedicavam aos estudos sobre o carnaval, criando inclusive grupos de pesquisa que transformaram a forma de colocar a folia de momo na rua como os notáveis carnavalescos: Fernando Pamplona, Adir Botelho, Maria Augusta, Rosa Magalhães e Lícia Lacerda.




As carnavalescas Rosa Magalhães e Lícia Lacerda em pose especial para a Revista Manchete, dias antes do Império Serrano explodir na Avenida com "Bumbum Paticumbum Prugurundum", levantando o título de 1982. Disponível em: https://bit.ly/42biEJs



Por falar em integrar a Academia ao carnaval, em 2018, a EBA e os 200 anos do curso de Belas Artes no Rio de Janeiro foram homenageados na Marquês de Sapucaí pela GRES São Clemente e pela egressa e professora da casa, a carnavalesca Rosa Magalhães, posteriormente substituída pelo carnavalesco Jorge Silveira, também egresso da EBA, com o enredo “Academicamente popular”. No mesmo ano, a GRES Imperatriz Leopoldinense levou o Museu Nacional da UFRJ para o desfile das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro, com o enredo: "Uma noite real no Museu Nacional", exaltando os 200 anos da instituição. Em contrapartida, o Museu retribuiu a homenagem e levou as fantasias para uma exposição em sua sede na Quinta da Boa Vista, com o título: “O Museu dá Samba: a Imperatriz é o Relicário no Bicentenário do Museu Nacional”. Cabe ressaltar que a Universidade, as suas unidades, os seus prédios históricos ou os seus cientistas já foram inúmeras vezes homenageados na passarela do samba ao longo dos anos.



Essa relação da escola de samba com a Escola de Belas Artes é de várias décadas que se passaram no carnaval, com muitos títulos e com grandes nomes. Com o conhecimento que eles transferiram da academia para o barracão, redimensionaram a escola de samba para transformá-la no maior espetáculo audiovisual do planeta. (SILVEIRA, 2018).



Se nas décadas 1950 e 60, a Academia fez o caminho até os barracões com os ilustres mestres, a partir dos anos 2010, e, sobretudo, após as políticas públicas de ação afirmativa, com a inclusão do sistema de cotas sociais, educacionais e raciais, os grandes personagens do labor diário dos barracões passaram a integrar a Academia e com a entrada desse novo corpo social nas Universidades, a arte do carnaval com os seus saberes populares contribuíram também para fomentar novas abordagens sobre a indústria do carnaval. Como ressaltou Pamplona (2013): “Criticavam a nós, os artistas de classe média, acusando-nos de interferir numa manifestação popular. Como se a gente não fosse povo e não sentisse também o que o povo sente”. Sobre a importância de Pamplona para o carnaval, destacou Gustavo Melo (2013) antigo diretor cultural do GRES Salgueiro:


Em 1959, Pamplona encarnou Zumbi dos Palmares. Tal como o herói negro, fez do Salgueiro o seu quilombo, a sua Tróia, seu campo de liberdade de criação. Sua arma? A beleza! Para isso se cercou de um exército de talentos. Dali surgiu uma geração de artistas do carnaval que fez das escolas de samba um laboratório de experiências visuais. Trouxe o método para as agremiações. A pesquisa de figurinos e ornamentos de época, os enredos originais, revolucionários, à margem da história oficial. O quilombo estava formado. Depois cada soldado seguiu seu caminho. E a diáspora salgueirense influenciou todo o carnaval carioca.


O samba e o carnaval começaram como a arte de resistir ao status quo, especialmente no início da República no Brasil, em sua capital na cidade do Rio de Janeiro. Muitas vezes eram o canal de denúncia das mazelas sociais e das questões do cotidiano da política que excluíam os marginalizados. Muitas Escolas de Samba foram criadas também como espaços de sociabilidade para o encontro desses grupos que estavam sempre à margem das políticas públicas sociais. Ao longo do século XX, o carnaval tornou-se uma grande indústria cultural, social e econômica, fomentando empregos, turismo e um grande comércio, com isso, as Escolas de Samba e os seus componentes também se profissionalizaram. Hoje, há muitas pessoas que vivem e dependem da arte de fazer o carnaval acontecer na avenida, e portanto, cada vez mais, as agremiações estão sempre em busca de patrocinadores ou enredos patrocinados.




Fernando Pamplona

Disponível em: https://bit.ly/3JGF9i8



Como conciliar, a demanda por patrocínio ao mesmo tempo produzir enredos envolventes com críticas sociais e políticas? Lembramos que para realizar os desfiles na Sapucaí é muito dispendioso. Um dos caminhos que vem sendo seguido por muitos carnavalescos egressos da UFRJ que atuam nas Escolas do Rio de Janeiro, é manter um diálogo com os grupos de pesquisa e os pesquisadores que estudam o carnaval nas Universidades, estabelecendo uma estreita relação com as agremiações, como o Observatório do Carnaval (OBCAR/LABEDIS) do Museu Nacional/UFRJ e a Liga Universitária de Pesquisadores e Artistas (LUPA) do Carnaval da UFRJ.


Foi diante desse contexto de crítica sócio-histórica que, em 2019, o então carnavalesco da Mangueira e também egresso da EBA/UFRJ, Leandro Vieira (atual campeão do carnaval carioca pela Imperatriz Leopoldinense), desenvolveu o enredo “História para ninar gente grande”, sendo o campeão do carnaval daquele ano. O tema falava sobre as pessoas marginalizadas pela História, em uma crítica ao sistema sócio-político que mata negros, índios e pobres e apaga suas memórias e histórias. Além disso, foi prestada uma homenagem à vereadora e socióloga carioca Marielle Franco, uma grande defensora da luta pelos Direitos Humanos e de outras várias minorias que ela representava e que havia sido assassinada, um ano antes, em 14 de março de 2018.



Valorizei a resistência indígena questionando o descobrimento. Abri caminho para contar episódios de luta e insubordinação nativa ao longo de nossa história. O samba cantava os Tamoios e festejava os Caboclos que participaram da luta de Independência no 2 de Julho (VIEIRA, 2023).



Quando analisamos os diversos carnavais feitos ao longo desses dois últimos séculos, podemos traçar uma narrativa da própria História Republicana brasileira e observar quem são os protagonistas dessas histórias contadas na passarela do Samba pelo viés das agremiações, de seus carnavalescos e de suas comunidades, sem deixar de refletir também sobre os seus patrocinadores, muitas vezes os famosos contraventores do Jogo do Bicho e grandes empresários que se beneficiam da visibilidade da indústria do carnaval. Seja como for, ao estudar o carnaval, a sua arte e os seus artistas é também promover uma grande História Pública Nacional.


Referências:


MELO, Gustavo. Opinião. Galeria do Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 29 set. 2013. Disponível em: https://galeriadosamba.com.br/artigos/fernando-pamplona/opiniao/381/. Acesso em: 28 fev. 2023.


PAMPLONA. Fernando. Opinião. Galeria do Samba do Rio de Janeiro. Entrevistador: Gustavo Melo. Rio de Janeiro, 29 set. 2013. Disponível em: https://galeriadosamba.com.br/artigos/fernando-pamplona/opiniao/381/. Acesso em: 28 fev. 2023.


SILVEIRA, Jorge Luis. São Clemente Homenageia Escola de Belas Artes da UFRJ. Entrevistadora: Cristina Indio do Brasil. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2018-02/escola-de-samba-sao-clemente-homenageia-escola-de-belas-artes-da-ufrj. Acesso em: 28 fev. 2023.


VIEIRA, Leandro. Quem é Leandro Vieira Campeão pela Imperatriz e bicampeão pela Mangueira. Entrevistador: Douglas Porto. CNN Brasil. São Paulo, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/saiba-quem-e-leandro-vieira-campeao-pela-imperatriz-e-bicampeao-na-mangueira/amp/ . Acesso em: 28 fev. 2023.




Anexo:


Listagem das Teses e Dissertações sobre o tema carnaval na Base Minerva da UFRJ



1. Escola de samba, ritual e sociedade, 1975

2. Palácio do samba: estudo antropológico da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, 1975

3. A pedagogia das escolas de samba: do nascimento ao apogeu, 1997

4. Agenciamentos coletivos, territórios existenciais e capturas: uma etnografia de movimentos negros em Ilhéus, 2004

5. "Carnaval é isso aí: a gente faz para ser destruído!": carnavalesco, individualidade e mediação cultural, 2006

6. Entregue o samba a seus donos: imagens e significados de Bahia no Rio de Janeiro da belle époque, 2006

7. Paraísos e infernos: na poética do enredo escrito de Joãosinho Trinta, 2006

8. Samba no pé e na vida: carnaval e ginga de passistas da Escola de Samba “Estação Primeira de Mangueira”, 2006

9. Ascensão e morte do escritor João do Rio na utopia modernista do Rio de Janeiro, 2007

10. Relações institucionais das escolas de samba: discurso nacionalista e o samba enredo no Regime Militar, 1969- 1985, 2007

11. Carnaval em terras de caboclo: uma etnografia sobre maracatus de Baque Solto, 2008

12. A dança nobre no espetáculo popular: a tradição como aprendizado e experiência, 2008

13. A crônica de Léo Montenegro: um olhar sobre o carnaval do subúrbio do Rio entre 1965 e 2003, 2010

14. Conflito e sociabilidade em uma pequena escola de samba: o Acadêmicos do Dendê da Ilha do Governador, 2010

15. Folias de carnaval e lucros do capital, 2010

16. Rapsódia brasileira de Joãozinho Trinta: um grande leitor do Brasil!, 2010 

17. Reinventando a tradição: os foliões do Morro da Mangueira entre o ritual e o espetáculo, 2010

18. Música, espaço público e ordem social no carnaval de rua do Rio de Janeiro: um estudo etnomusicológico (2009-2011), 2012

19. Nostalgia e autenticidade: crônica carnavalesca e pensamento social brasileiro, 2012

20. Crônicas da melanco-folia, 2013

21. "Eu quero é botar meu bloco na rua": a construção de uma cidadania da festa no carnaval de rua do Rio de Janeiro, 2013

22. bélico no carnaval carioca : o discurso nacionalista dos desfiles carnavalescos da década de 1940, 2013

23. Objetos em trânsito: a boneca gigante entre o museu e o carnaval em Maceió/Alagoas, 2013

24. Os comanches e o prenúncio da guerra: um estudo etnográfico com uma tribo carnavalesca de Porto Alegre/RS, 2013

25. Os Herdeiros da Vila: ensino e aprendizagem em uma bateria de escola de samba mirim, 2013

26. A antropofagia de Rosa Magalhães, 2014

27. Do carnaval carioca à invenção da carioquização do carnaval de São Luis, 2014

28. Tem samba na terra do frevo: as escolas de samba no carnaval do Recife, 2014

29. Carnaval carioca em tempos de ditadura: o Bloco Chave de Ouro-é proibido proibir, 2015

30. samba pede passagem: as representações sociais da loucura no Coletivo Carnavalesco Tá Pirando, Pirado, Pirou!, 2015

31. subúrbio feito na letra: o cotidiano da periferia em crônicas ácidas e carnavalizadas, 2015

32. Carnaval em Manaus (AM): a cidade e suas escolas de samba, 2016

33. Brilho em festa: homossexualidades masculinas nas escolas de samba, 2017

34. Cultura, criatividade e desenvolvimento territorial na cidade do Rio de Janeiro : o caso da Rede Carioca de Rodas de Samba, 2017

35. Foliões de carnaval: estudo sobre bloco de rua em Santa Teresa, 2017

36. Brasil, Brazil, Breazail: utopias antropofágicas de Rosa Magalhães, 2018

37. processo criativo na construção de fantasias carnavalescas: em busca de uma metodologia, 2020

38. Linguagem em desfile: discurso em carnavais de Milton Cunha, 2021




*Andréa Queiroz é Historiadora e diretora da Divisão de Memória Institucional/SiBI/UFRJ. Doutora em História Social - PPGHIS/UFRJ e pós-doutoranda em História Social - PPGHIS/UFRJ. Contato: andreaqueiroz@sibi.ufrj.br


** Juliano Leal Camargo é Bibliotecário da Divisão de Memória Institucional/SiBI/UFRJ. Mestre em Memória Social e Bens Culturais - Universidade La Salle. Contato: juliano@sibi.ufrj.br



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