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  • Foto do escritorLuzimar Soares

Amizades

Atualizado: 20 de set. de 2022

Guarulhos, 15 de setembro de 2022.

Luzimar Soares*


Durante os últimos anos (refiro-me aqui ao período pandêmico, quando muitos dos sentimentos foram colocados à prova, inclusive as amizades), fomos colocados em isolamento. Passamos a “visitar” os nossos virtualmente, sejam os filhos adultos de seus pais, netos de avós, colegas de trabalho que passaram a executar suas tarefas nos escritórios improvisados às pressas para atender a demanda, e, por conseguinte, deixaram de se encontrar todos os dias.



Crédito: WIX.


Muitas atividades suspensas, incerteza, medos, doentes se espalharam por todo o mundo. Casos de corpos empilhados, hospitais lotados, falta de oxigênio, pessoas desesperadas, falsas teorias, brigas políticas, conspirações, superfaturamentos, descontrole inflacionários ao redor do mundo. Basicamente, a vida ficou em um estado como se estivesse suspensa, mas, na realidade, não estava.


Uma infinidade de pessoas ficou desempregada em todo o mundo. A vida passou a ter um desenho diferente. O que se delineou a partir da proliferação do vírus da covid – 19 foi algo totalmente novo (apesar de ser bem verdade que a humanidade já assistiu outras pandemias). No entanto, a velocidade das coisas, na atualidade, transformou tudo, haja vista que o que acontece em qualquer país pode ser transmitido ao vivo para o resto do mundo.


Em meio a esse furacão que varreu a humanidade, impossibilitando uma infinidade de coisas, muitos foram salvos pelas amizades. O senso comum diz que os amigos são os irmãos (as) que escolhemos; ou, quando os amigos são os irmãos (as), preconizam a plenitude da beleza na amizade. Seguindo o senso comum e a narrativa da música de Milton Nascimento que diz:

Amigo é coisa pra se guardar

Debaixo de sete chaves

Dentro do coração

Assim falava a canção que na América ouvi

Mas quem cantava chorou

Ao ver o seu amigo partir

Mas quem ficou, no pensamento voou

Com seu canto que o outro lembrou

E quem voou, no pensamento ficou

Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar

No lado esquerdo do peito

Mesmo que o tempo e a distância digam "não"

Mesmo esquecendo a canção

O que importa é ouvir

A voz que vem do coração.


Carrego cada um dos meus amigos comigo, esteja eu onde estiver cada pessoa que faz parte do meu ciclo de amizade, está e estará sempre comigo.


As amizades podem ser nosso suporte para muitas coisas. Os caminhos que cada um escolhe traçar, muitas vezes, levam para distante da família, mas quando estamos abertos a acreditar na leveza de uma amizade, ela pode surgir sempre. Invariavelmente, temos amizades com pessoas que são inconciliáveis, inclusive, talvez não possamos convidar todos (as) para a mesma festa, pois pode dar ressaca.


Chorar a partida de quem amamos, esperar e esperançar por alguém, sentir a dor, defender, brigar por estar disponível pelo e para o amigo(a), todas as sensações e vontades que a amizade provoca, pode e é discutida pelas pessoas desde há muito, a filosofia se encarrega disso. De acordo com o estudioso Francisco Ortega, os filósofos Platão e Aristóteles discutiam o conceito de amizade na filosofia, segundo ele:


Para Platão, Eros ela o elemento ativo, a atividade da alma que levava à philía, a qual era um afeto estático, uma condição da alma, a resposta mais débil e menos apaixonada ao amado. Com Aristóteles, a amizade sai da passividade platônica e torna-se uma atividade, a própria atividade filosófica ao passo que o amor é um impulso não filosófico. Com outras palavras, Éros é uma paixão e philía um ethos.


Nesses dois últimos anos, as amizades salvaram muitos, mesmo com o distanciamento social imposto pela pandemia, em razão, justamente, daquilo que fez as dores chegarem aos outros países. Ou seja, os meios de comunicação cada dia mais velozes trouxeram imagens tristes, mas também proporcionaram muitas reaproximações. Amigos afastados pela correria do dia a dia que, recolhidos aos seus lares, voltaram a se comunicar, e, ainda que na virtualidade das coisas, voltaram a se ver.


As conectividades reaproximaram as pessoas. É bem verdade que acabaram por afastar outras, todavia, as amizades mais profundas e verdadeiras, essas encontraram e encontrarão sempre uma forma de se apoiarem, de confidenciarem, de juntos suportarem os dissabores, de partilharem as alegrias e de caminharem lado a lado nas estradas da vida. Guardar no coração, como diz a canção, é, também, cuidar de proteger a singularidade de cada uma das nossas amizades.


Trago esse texto hoje apenas para enaltecer a beleza de se ter amigos, mas, para muito além de ter amigos, de dizer que somos todos distintos, e nas nossas distinções, podemos amar as pessoas que fazem parte das nossas vidas exatamente como cada uma delas é. Respeitar o espaço e a individualidade de cada pessoa só nos fará ter ainda mais amigos.


Tenho as amizades mais diversas: comissárias (os), pilotas (os), historiadoras (es), professoras (es), marceneiros, economistas, tradutores, revisores, bioconstrutoras, musicistas, músicos, artistas plásticos, arquitetas, atrizes, atores, médicas (os), dentistas, vendedoras (es) escritoras (es), etc., mulheres e homens a quem honro e agradeço, a quem gostaria de enfatizar que cada uma e cada um é importante, é parte de uma história construída a muitas mãos, pois, cada pessoa que entra na minha vida, que fica, ou até mesmo aquelas que somente passam sem se demorar, deixam um pouco em mim e levam um pouco de mim com elas.


Carrego cada amizade com muito carinho, às vezes com algumas broncas, muitas saudades tenho de pessoas que não consigo ver, mas trago comigo a certeza de que tenho as melhores amizades do mundo. Não me importa se um dia nos afastarmos, a vida segue seu ritmo independente daquilo que buscamos. Mas, se tivermos sabedoria para levarmos nossos amigos conosco, ainda que distantes, estaremos de alguma forma na vida do outro.


Para mim a grande lição que a pandemia me deixou foi: vivo sem muitas coisas, mas não vivo sem amigas (os). Construí minhas melhores parcerias de trabalho com amigas (os). Minhas grandes conquistas foram todas apoiadas pelas pessoas que fazem parte do meu ciclo de amizade. Portanto, para concluir esse texto, a cada uma e cada um que faz parte da minha vida, fez ou fará, apenas digo: sejam felizes e obrigada por existirem. Irmãs amigas, amigas irmãs, irmão amigos e amigos irmãos, minha existência não teria sentido sem a presença de vocês.


Amizade de verdade, pode ser rara

Mas, quando encontrada, não há a para

Suporta tempestade, dores e infortúnios

Traz leveza a vida e não deixa nenhum pecunio.



Referências:

ORTEGA, Francisco. Genealogias da amizade. São Paulo: Editora Iluminuras Ltda, 2002.

NASCIMENTO Milton. Canção da América. Disponível em: https://www.letras.mus.br/milton-nascimento/27700/. Acesso em: 11 de set. 2022.


Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).

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