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Foto do escritorAdriana Gomes

A Proclamação da República no Brasil: Uma "Res publica"?

Rio de Janeiro, 15 de novembro de 2022.

Adriana Gomes*


No dia 15 de novembro de 2022 o Brasil completa 133 anos da Proclamação de sua República, que foi liderada por um militar que tinha reticências em realizar a tarefa que haviam proposto a ele pelo elo de amizade que mantinha com D. Pedro II. Esse momento de transição foi bastante complexo e as discussões a respeito são diversas. Por isso, contemplaremos um olhar específico desse processo sem a pretensão de esgotar o assunto.


Segundo o historiador Boris Fausto, republicanos paulistas e gaúchos junto a militares estabeleceram contatos desde 1887, porém a articulação se consolidou quatro dias antes da mudança de regime. Personagens de destaque desse momento da História do Brasil: Quintino Bocaiúva, Benjamin Constant e Aristides Lobo tiveram a tarefa de convencer Marechal Deodoro da Fonseca que ele deveria liderar o movimento de mudança do regime.



Crédito da imagem: "Pátria" (1919), de Pedro Bruno, idealiza a confecção da nova bandeira do Brasil, com um casal de idosos ao fundo representando a monarquia. Museu da República.


Mesmo sem muita convicção do que estava fazendo pelos seus conflitos internos, Deodoro assumiu o comando das tropas e marchou para o Ministério da Guerra. A fim de evitar movimentos contrários ao novo regime, a Família Imperial foi expulsa do Brasil e partiu para o exílio na Europa.


O regime monárquico não atendia mais as demandas de setores relevantes da sociedade brasileira por motivações diversas. O exército não se sentia reconhecido pelo governo após a vitória na Guerra do Paraguai; os cafeicultores se consideravam lesados com o fim da escravidão e a ausência de indenização do Estado; a Igreja Católica se via em conflitos em seu sistema organizacional, pelas interferências do imperador em suas ações, que chegou ao ápice quando membros da Igreja impediram a participação de maçons em irmandades religiosas. Além dessas questões, não podemos deixar de destacar a perspectiva desfavorável de um Terceiro Reinado com Princesa Isabel no trono, mas com as decisões políticas e administrativas sendo realizadas por seu marido francês, Conde d’Eu, que era um personagem controverso e discutível.


Com a Proclamação da República articulada e realizada por segmentos sociais mais favorecidos, a própria significação de ‘Res Publica’, proveniente do latim como “coisa pública”, não foi dessa maneira implementada no Brasil. O historiador José Murilo de Carvalho nos revelou que Aristides Lobo, já mencionado, conseguiu ter a observância da insignificante participação da população menos favorecida economicamente na mudança de regime, ao identificar que “o povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada” militar, quando o que ocorria era o movimento de Proclamação da República no Rio de Janeiro.


Nesse período de transição, o Rio de Janeiro era capital do país e passou a ser visto como o “microcosmo da nação”. Segundo o historiador Antônio Edmilson Rodrigues, a construção histórica do Brasil Republicano nos anos finais do século XIX e nos anos iniciais do século XX foi associada à construção histórica da cidade.


A modernização do Rio de Janeiro foi interpretada como “caixa de ressonância da política nacional”. A imagem associada à cidade era de progresso e o lugar onde os grandes acontecimentos históricos do país ocorriam. O Rio de Janeiro que determinava a mudança que ecoava para as demais regiões do país. Havia uma mobilização para que a capital fosse forjada como um ideal de hegemonia.


O Rio de Janeiro encarnou a concepção de ser um espaço da ordem e do progresso, que na realidade estava muito distante de ter características de uma cidade europeia. O fato foi que a capital sofreu ajustes para fazer jus à faceta determinada pela República.


O caráter conservador e autoritário do novo regime ficou evidente quando o controle e o estabelecimento da ordem conseguiram ser legitimados em nome de uma modernização e civilidade que a República representaria. Como afirmou Rodrigues, o governo “vestiu a cidade com outra roupa, mas o corpo permaneceu o mesmo, possuindo uma incrível dificuldade de andar de salto alto”.


Logo as contradições no Rio de Janeiro se tornaram evidentes. A modernização da capital acentuou a artificialidade da civilidade, pois não foram consideradas as especificidades da própria história da cidade e do país. Foram criadas visões deturpadas sobre o que se seria moderno e civilizado. O futuro civilizatório estava na agregação de valores que vinham de fora, na regularização de uma vida social e de um espaço público que não apresentava identificação com o passado. Nesse contexto que foi construída a capital da República, que representaria a nação. A modernidade demarcou as diferenças e a dependência.


O grande desafio que o regime republicano se propôs foi transformar cada brasileiro, sobretudo da capital, em cidadãos capazes de ocupar de forma ordenada e correta as modernas funções que caberiam a uma sociedade civilizada. Os poucos brasileiros “civilizados” deveriam conduzir os muitos brasileiros “atrasados” a alcançarem a ordem e o progresso, independentemente da ausência dos valores identitários com a mudança ocorrida em nome da civilização. Tudo teria um objetivo em comum: alcançar em ordem, o progresso. Estabelecidos, até então, somente no maior símbolo republicano que é a bandeira nacional.



Algumas referências bibliográficas:


FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.

CARVALHO, José Murilo. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2004.

RODRIGUES, Antônio Edmilson Martins. História da Urbanização no Rio de Janeiro: a cidade capital do século XX no Brasil. In: CARNEIRO, Sandra de Sá; SANT’ANNA, Maria Josefina Gabriel (Orgs). Cidade: olhares e trajetórias. Rio de Janeiro: Garamond, pp. 85 – 119, 2009.



*Adriana Gomes é professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO); professora de História da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro; Coordenadora do Laboratório de Estudos de Política e Ideologia (LEPIDE) da UNIVERSO; Coordenadora do Grupo de Pesquisa Políticas, Ideologias e Religiões e do Núcleo de Estudos de História do Espiritismo (NUESHE), ambos credenciados pelo CNPq.

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