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A modernidade e as relações interpessoais.


Guarulhos, 15 de abril de 2022.

Luzimar Soares*


Convivemos diariamente com as mais diversas pessoas. Ainda que sejamos particularmente reclusos, é impossível não dependermos de outros humanos. Somos seres sociais e, em razão disso, convivemos, socializamos, disputamos e, especialmente, dependemos dos nossos semelhantes.



Crédito da imagem: Wix.


No entanto, quando essas relações são de prestação de serviços, invariavelmente, há muitas “confusões” com relação ao outro, ou seja, o que recebe o serviço se porta muitas vezes e, porque não dizer, quase que invariavelmente, como o “dono” do outro. Na particularidade da troca das prestações de serviços, quanto maior a distância social entre as partes, maior o nível de exigência por parte de quem recebe o serviço prestado.

As atividades laborais são das mais diversas ordens e, mesmo aqueles que não exercem profissões diretamente ligadas ao público, é também um prestador de serviços, até porque, presta serviço para seus patrões enquanto assalariado. Os donos das empresas, por sua vez, têm seus clientes, por conseguinte, são, também, prestadores de serviços.

Vivemos numa sociedade capitalista, produzimos bens de capital. O fato de produzirmos muito não significa que teremos muito dinheiro. Na realidade, partindo do pensamento de Marx, quanto mais produzimos, mais pobre ficamos, haja vista nossa produção não se transformar em bens para nós, mas para os detentores do capital. A estudiosa Mônica Hallak M. da Costa fez um estudo sobre os escritos de Marx e, nele, ela transcreve os manuscritos de 1844 em que consta:


O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais sua produção cresce em poder e volume. O trabalhador se torna uma mercadoria tanto mais barata quanto mais mercadoria produz. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias, produz também a si mesmo e ao trabalhador como mercadoria, e justamente na mesma proporção em que produz mercadorias em geral.

Sendo assim, os trabalhadores do terceiro setor que não produzem coisas, mas serviços, e perdem seu valor quanto mais trabalham para produzir o bem-estar dos outros seres humanos. Certamente, todos já presenciaram a discussão entre um cliente e um prestador de serviços. É óbvio que, em muitos casos, existe uma relação de respeito e cordialidade, todavia, é relativamente a chamada “carteirada”. A saber: “você sabe com quem está falando?” Não importa o problema em questão, o que realmente importa é a pessoa se sentir dona, mas não dona da situação, é dona do outro.

Os últimos anos têm sido de bastante luta e precarização do trabalho. De acordo com os últimos dados divulgados pelo IBGE, existem 12 milhões de brasileiros desempregados, esse número corresponde a 11, 2% da população economicamente ativa do país. Isso significa que houve redução no número de desempregados no último trimestre, todavia, com o aumento da inflação, caiu significativamente o poder de compra do trabalhador.

Aqui, quero falar sobre a necessidade do grande capital de manter os pobres em “seus lugares”, o que significa dizer que, não interessa, para os poderosos, que as pessoas com menor poder aquisitivo se insiram nos espaços que “não são seus”. Nos últimos anos, o Ministro da economia nacional tem proferido insultos à classe trabalhadora das mais diversas ordens: “até mesmo empregada doméstica estava viajando para a Disney”; “o Fies levou até filho de porteiro para a universidade”. Por que essas coisas incomodam os poderosos?

Na modernidade, as relações trabalhistas se transmutaram, muitos empregados foram obrigados e criarem suas próprias empresas e se tornarem parceiros de seus antigos empregadores. Isso significa que a liberdade trouxe, a reboque, uma série de contas extras. Hoje, o trabalhador autônomo responde por todas as seguridades sociais: plano de saúde, férias, décimo terceiro, pagamento de INSS. Nada mais é custeado pelo patrão. Com o nome de empreendedorismo, até mesmo aquele que recebe um valor baixíssimo por seu serviço prestado é considerado um empreendedor.

O ramo do turismo, que representa uma forma bastante significativa de empregabilidade ao redor do mundo, também gera muitos empregos por aqui. Esse setor, que ainda tem muitas questões e necessita de um olhar mais atento das autoridades, é onde existe um dos mais altos índices de desrespeito ao trabalhador. De extremos, como o que aconteceu no réveillon de 2018, quando um empresário mandou um garçom lavar seus pés com champanhe, passando por passageiros enfurecidos quebrando balcões de check-in de companhias aéreas, enquanto os funcionários tentam não serem atingidos com objetos jogados em suas direções, até os assédios morais e sexuais sofridos por funcionárias (os) dos mais diversos equipamentos turísticos.

Será por esta razão que as elites se sentem tão afrontadas com a classe trabalhadora chegando à universidade? Quais as reais razões de vivermos ataques tanto a trabalhadores quanto a estudantes? E nós, enquanto consumidores, como tratamos as pessoas que prestam serviços para nós? A ciclicidade da vida nos mostra que estamos em mudança constante de papéis, às vezes em um único dia alternamos nossas funções.

Assim como na vida em família que somos: filhas (os), irmãs (õs), mãe, pai, tia, etc, também no trabalho, somos consumidores e prestadores de serviços. Sendo assim, proponho uma reflexão: nossos atos, enquanto consumidores, podem fazer com que entendamos o prestador de serviços e vice-versa. O grito pode ser substituído por um por favor, a agressividade, pela amabilidade e, talvez, enquanto seres humanos que somos, e por esta razão carentes, possamos comungar de locais mais leves, mais humanos e prazerosos.

Para finalizar, as filhas e filhos de porteiros continuarão a chegar às universidades, as empregadas domésticas irão para aonde elas quiserem, as mulheres ocuparão os espaços que buscarem, os negros serão vistos e respeitados, e os povos autóctones terão suas histórias resgatas e contadas. Parece utópico? Talvez, mas já estivemos bem mais longe disso. E as relações interpessoais melhorarão quando a humanidade compreender a necessidade da alteridade na sua completude.


*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).


Referências:

-DA COSTA, Monica Hallak M. AD. HOMINEM – Revista de Filosofia ̸ Política ̸ Ciência da História. Tomo IV – Dossiê Marx. Ijui – RS: Unijui, 2001.

- GUEDES, Paulo. Fies levou até para filho de porteiro para universidade, diz jornal... Disponível em: <https://educacao.uol.com.br/noticias/2021/04/29/guedes-fies-levou-ate-para-filho-de-porteiro-para-universidade-diz-jornal.htm>. Acesso em: 13 abr. 2022.

-GUEDES, Paulo. Critica dólar baixo: ‘empregada doméstica ia para a Disney’.... Disponível em: <https://www.poder360.com.br/economia/com-dolar-baixo-empregada-domestica-ia-para-a-disney-diz-guedes/>. Acesso em 13 de abr. 2022.

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