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A Cultura Hip Hop como forma de resistência

Luzimar Soares Bernardo*

Guarulhos, 15 de junho de 2021.

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O Hip Hop é muito mais do que uma expressão musical. Surgida nos Estados Unidos na década de 1970, um movimento cultural que envolve artistas da música da literatura e das artes plásticas. Tida como música da periferia, durante muito tempo foi marginalizada. Na década de 1980, ganhou maior visibilidade e passou a ser difundida em praticamente todos os EUA. Foi, também, neste período que aportou em terras brasileiras e teve, como seu primeiro local de recepção, a cidade de São Paulo, com as reuniões e disputas de seus apreciadores no centro da cidade (Metro São Bento e rua 24 de Maio). O movimento, aqui, assumiu o tom de denúncia por um lado e o de repulsa por outro. Ou seja, foi marginalizado pelas elites e usado pelos artistas como forma de mostrar as desigualdades sociais, as agruras de uma população que sempre viveu à margem, sofreu e continua sofrendo. Aqui, passou por estilos diferentes. Hoje, é considerado “ostentação,” permanece um instrumento de luta, utilizado pelos mais diversos grupos, desde os periféricos das grandes cidades até os indígenas das pequenas aldeias.


A linguagem utilizada nas músicas não segue a norma culta, além de utilizar palavras “novas”, ou seja, expressões criadas pelos artistas, ou movimento, essas podem ser junções de palavras existentes, modificações através da retirada de uma letra, palavras trazidas de idiomas estrangeiros (inglês) ou, ainda, a invenção total de uma nova palavra. As gírias utilizadas estão diretamente ligadas à realidade de cada grupo. Dessa forma, a cultura Hip Hop vem, ao longo do tempo, alcançando vários espaços e, através de seus representantes, denunciando desde a miséria, passando pela violência policial até o envenenamento dos povos originários pelo agronegócio. Como exemplo dessa forma de uso, seguem duas expressões: “LADRÃO ENGRAVATADO = (ladrão de gravata) ladrão grã-fino e, LOKA = (var. de louca/o) LOUCO = legal demais, massa. Expressões encontradas no Dicionário Popular de Gírias e Expressões”.


Hoje, a cidade de Guarulhos é uma urbe com uma cena cultural pulsante e com muitos movimentos. A cidade conta com um grande número de artistas do Hip Hop, tanto que são facilmente encontradas pelas ruas academias especializadas nesse estilo de dança. Em 30 de junho de 2018, a prefeitura da cidade promoveu um evento em que reuniu várias atrações da cultura Hip Hop – graffit, DJ, MC´S e B- BOY, capoeira cordel e afoxé. Este é apenas um exemplo das muitas atrações. Não estou afirmando aqui se tratar de uma cultura hegemônica. Nas manchetes que divulgam esses eventos, ainda aparece a palavra underground para se referir às manifestações culturais do Hip Hop.


A presença feminina é bastante relevante, são muitas mulheres no rap. Uma delas, Michele Raquel Silva, hoje já afastada dos palcos, figurou durante muito tempo como interprete de rap de protesto gospel. Uma de suas apresentações pode ser assistida em: (https://youtu.be/GcboK6ZOOR0). Aqui, ela junto a seus parceiros de palco Diego e Evandro, cantam contra o preconceito e o racismo. O rap gospel tem atraído muitos jovens da periferia de Guarulhos.


Os acontecimentos dos últimos tempos têm provocado uma instabilidade muito grande na vida dos artistas de todas as classes e, com os da cultura Hip Hop não tem sido diferente. Com incentivo da Lei Aldir Blanc, o Fórum Permanente de Hip Hop Guarulhense tem mantido suas atividades criadoras e, durante os dias 17 a 22 de maio de 2021, farão a primeira semana de HIP HOP GUARULHENSE. Em razão das restrições impostas pela pandemia da covid–19, o evento acontecerá pelas redes sociais. Instagram, Facebook e Youtube apresentarão pocket shows, batalhas de MC´S, B.Boys e B.Girls.


As populações periféricas são, na sua imensa maioria, negras. Dizer que são pobres seria redundante, portanto, sofrem os mais diversos preconceitos que estão fundamentados em estruturas há muito definidas, como bem aponta Agnes Heller em sua obra “O cotidiano e a história”: “O preconceito é um tipo particular de juízo provisório; e, para entender sua origem, temos de considerar uma outra propriedade da estrutura da vida cotidiana”.


Justamente por se tratar de uma cultura tida como periférica e de minoras, o Hip Hop, ainda, carrega o estigma de uma manifestação marginal. Em seu documentário “Amarelo”, Emicida afirma, em uma de suas falas, que aquela era a primeira vez que muitas das pessoas que ali estavam tinham a oportunidade de entrarem no Theatro Municipal, e, também, que era a primeira vez que um artista como ele se apresentava naquele palco. O que quer dizer que a cultura da periferia, ainda, sofre para ocupar espaços tidos como locais de elite.


O Hip Hop seja na expressão de Basquiat, na voz do Emicida, no palco do Adamastor num show de rap gospel, numa pista de skate na praça do Parque Cecap, ou como disputa de Slam nas periferias, é uma forma que os artistas usam para reescrever suas histórias através de suas manifestações culturais. E, como nos contou E. P. Thompson em “Costumes em Comum”: “Claro, toda sociedade tem seu próprio tipo de teatro. Grande parte da vida política das sociedades contemporâneas só pode ser compreendida como uma luta de autoridade simbólica.


Assim, o Hip Hop continua sendo uma arma de luta e resistência das minorias. Nessas, incluídas aquelas oriundas das periferias, mas também, os quilombolas e indígenas que difundem suas culturas através das artes.


*Luzimar Soares Bernardo é Mestre em História Social (PUC-SP).

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