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  • Foto do escritorLuzimar Soares

100 anos da Colônia de Pescadores - Z 13 em Copacabana – tensões, resistências e permanências

Atualizado: 19 de jul. de 2023

Guarulhos, 15 de julho de 2023.

Luzimar Soares*


No último 29 de junho, a Colônia de Pescadores Z-13 completou 100 anos de sua institucionalização documental. A data foi celebrada com muita alegria pelos pescadores e por seus convidados. Foi um dia de programação intensa, muitas pessoas passaram pelas instalações da Colônia, pescadores trouxeram suas famílias, convidados confraternizaram, uma nova placa foi colocada para celebrar os 100 anos.



Crédito da imagem: Acervo Pessoal.


A placa comemorativa é um marco, carrega ali, naquelas poucas letras, uma frase de efeito: “PESCAR SEMPRE, PEGAR PEIXE, TALVEZ... DESISTIR JAMAIS!” Essas palavras, vistas por alguém que não conhece a história da Colônia, podem parecer somente um amontoado de letras todas maiúsculas, como um grito sem sentido. No entanto, para pescadores e pesquisadores que acompanham a luta daqueles e daquelas trabalhadoras, são palavras que precisam ser lembradas diuturnamente para permanecerem na luta diária da pesca artesanal.

A existência de uma Colônia de pescadores, em um dos espaços mais caros da cidade do Rio de Janeiro, é algo que ainda causa espanto a muita gente. Até mesmo as pessoas que vivem na cidade do Rio de Janeiro se “espantam” com a presença de trabalhadores desse tipo de atividade naquele espaço físico cheio de amendoeiras, tão bucólico quanto caro, fazendo divisa com o Clube Marimbas, com o Forte de Copacabana e em frente a um hotel caríssimo. Ou seja, a Colônia é o paradoxo dos paradoxos.



Crédito da imagem: Acervo pessoal.


A Colônia de pescadores, que foi oficialmente criada na data supracitada, já existia há muito. Relatos e estudos de historiadores dão conta da presença de trabalhadores da pesca naquela Copacabana antes mesmo de o “Rio de Janeiro chegar a Copacabana”. O que significa dizer que o passado está presente e se manifesta através desses trabalhadores, resistentes aos avanços da especulação imobiliária e fiéis às suas tradições de pesca.


Ainda que, com o tempo, a sociedade, de maneira geral, tende a apagar o passado, este resiste como espaço e, assim, os pescadores resistem no espaço. Como diz Milton Santos em “Pensando o Espaço do Homem”,


[...] Por isso, o momento passado está morto como tempo, não porém como espaço; o momento passado já não é, nem voltará a ser, mas sua objetivação não equivale totalmente ao passado, uma vez que está sempre aqui e participa da vida atual como forma indispensável à realização social (SANTOS, 2011, p. 14).


Sendo assim, parte de um passado histórico que permanece presente no espaço, os pescadores resistem às mudanças e se reinventam enquanto parte daquela paisagem. De acordo com o mesmo Milton Santos, a paisagem “nada tem de fixa, de imóvel” (Santos, 2021, p. 54). Adaptando-se ao caminhar das muitas mudanças, já ficaram sem instalações, pois, quando da última reforma que foi feita na avenida Atlântica, tiveram suas instalações transformadas em provisórias em razão da obra; e assim ficaram por mais de uma década.


Crédito da imagem: Acervo pessoal.


É preciso salientar que a Colônia Z -13 não é composta apenas dos pescadores que trabalham no espaço físico de Copacabana. Um de seus núcleos está na Lagoa Rodrigo de Freitas. Mas, Copacabana é, sem sombra de dúvidas, o lugar mais cobiçado pela especulação imobiliária. É um espaço altamente disputado, basta que se olhe a história, bem como as construções que estão naquele espaço.


Para além das questões já levantadas, muitas fazem parte da cotidianidade desses trabalhadores. Uma das mais preocupantes, na atualidade, é a concorrência desleal da pesca. Ou seja, barcos maiores (aliás, muito maiores), equipados com tecnologia de ponta que conseguem detectar onde os cardumes de peixes estão, que não são fiscalizados, competem diretamente com os pecadores artesanais, e diminuem substancialmente o número de pescados nos espaços onde os pescadores da Colônia conseguem chegar.


Em comemoração à data do aniversário da Colônia, o “Jornal O Dia” fez uma reportagem e, numa entrevista, o presidente da Colônia, José Manoel Pereira Rebouças, falou sobre a falta de regulamentação para essas embarcações, e como isso afeta o trabalho deles.


Esses barcos que estão com equipamento moderno são um problema que a maioria dos pescadores está sofrendo, porque esses barcos não foram regulamentados a alguma distância da costa. Isso está sendo uma polêmica porque esses barcos estão com equipamento totalmente ligado no satélite, localizando todos os cardumes. E cercam desde 200, 300 metros da vila da praia. Então, para esse tipo de modelo de pesca, que é o nosso, que é um modelo muito mais controlado, preserva muito mais, e emprega muito mais, está sendo um desgaste, não só para o trabalhador, como também para as próprias espécies de peixes. Eu acho que a regra tem que ser alinhada para depois não estarmos nos perguntando onde estão os peixes, pois terão acabado. Mas isso aí é uma guerra. Aquele pescador é artesanal? Não é, mas na lei é. São manobras que às vezes acontecem por falta de uma conversa de ajustamento, para que a pesca artesanal, de pequeno porte, consiga sobreviver em gerações a gerações, para que preserve esses trabalhadores ao longo do tempo. Você olha aqui, parece que a gente congelou no tempo, né? Barquinho pequeno, a gente usa um pequeno espaço das águas. Eu acho a gente corre o risco de mais tarde desaparecer por conta da pesca predatória e isso seria uma coisa muito triste (Jornal O Dia, 2023).


O relato do pescador mostra que as disputas territoriais que acontecem em terra se estendem para as águas, ou seja, para além das disputas por espaço e permanência nas areias. No mar, essas disputas não só existem como também podem ser ainda mais difíceis. A pesca, enquanto atividade humana, é uma das mais antigas. Vivemos em um país com extenso litoral, onde muitas modalidades de pesca são praticadas. Os pescadores artesanais da Colônia Z- 13 utilizam barcos pequenos que não conseguem competir com embarcações maiores e mais bem equipadas.


Sendo assim, permanecem:


Para muito além do sentimento de pertencimento dos pescadores, o mar é o sustentáculo financeiro desses trabalhadores. Através de suas lutas diárias, ocupam o território que se “deixa” ser apropriado numa relação de mútua doação: onde o pescador, quando romantizado, faz parte da paisagem; e, quando levado ao entendimento da sua real natureza, é homem destemido, que desbrava o mar em busca do sustento. (BERNARDO, 2020, p. 126).



Referências:

BERNARDO, Luzimar Soares. Nas ondas do mar carioca: O moderno e as tradições vistos a partir da história dos pescadores da Colônia Z-13 na praia de Copacabana. São Paulo: e-manuscrito, 2020.

SANCHO, Ana Clara. Colônia de Pescadores Z-13, em Copacabana, completa 100 anos de fundação. Em O DIA. Disponível em: https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2023/07/6666587-colonia-de-pescadores-z-13-em-copacabana-completa-100-anos-de-fundacao.html?utm_source=whatsapp&utm_medium=artigo&utm_campaign=share-article. Acesso em: 11 jul. 23.

SANTOS, Milton. Pensando o Espaço Homem. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2021.


*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).


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