Guarulhos, 15 de setembro de 2023.
Luzimar Soares*
“Despertei. Não adormeci mais. Comecei sentir fome. E quem está com fome não dorme”.
Carolina Maria de Jesus, 2001.
A frase acima, tirada do livro dessa autora fantástica e importante para nossa literatura, busca trazer à baila as dificuldades que as mulheres enfrentam diariamente. A sociedade brasileira, forjada sob a égide do patriarcalismo, sempre relegou à mulher o espaço das inutilidades, sendo assim, sequer eram consideradas cidadãs. Por muito tempo não puderam votar e não tinham direito de trabalhar sem a autorização dos seus tutores (pais e maridos). Além disso, como eram propriedades especialmente de seus maridos, sempre sofreram com a violência doméstica.
Crédito da imagem: Guarulhos em Destaque.
A luta de uma mulher que se recusou a aceitar sua quase morte, Maria da Penha Maia Fernandes (que é preciso dizer, é uma mulher estudada com mestrado na USP, e que se casou com um homem estrangeiro, também letrado na mesma instituição), foi brutalmente açoitada por este homem: levou um tiro que a deixou cadeirante e viu seu algoz sair livre dos tribunais. Claro, sua luta não foi solitária, e é preciso aqui esclarecer que Maria da Penha tinha, além de conhecimento, condições financeiras de levar sua luta. Em 2006, foi sancionada, depois de muita luta, a lei de n˚ 11.340/2006.
Toda lei parte de um princípio e, durante o decorrer dos anos, sempre há necessidade de rever o que é realmente atendido, especialmente, o que está sendo cumprido e o que deixou de atender às necessidades das pessoas assistidas por essa lei. Sendo assim, durante anos, discutiu-se a necessidade de fazer cumprir a lei. Em entrevista, a própria Maria da Penha (disponível no site do Instituto Maria da Penha – IMP), disse não haver necessidade de alteração, pois a lei é muito completa. Todavia, defensores e mulheres ao redor do país clamaram por alterações, e elas começaram a acontecer em 2017.
Crédito da Imagem: Instituto Maria da Penha.
Ali, foram alterados os artigos 10 e 12. Em 2018, o art. 7. Todavia, maiores alterações ocorreram em 2019. Aqui, um dispositivo da lei obriga juízes a decidirem em no máximo 48 horas. Já em 2020, mediante o contexto pandêmico e o aumento de vulnerabilidade das mulheres por estarem presas em suas residências com seus abusadores, as denúncias que precisavam ser presenciais passaram a ser permitidas por meio digital. Além disso, foi veiculada uma campanha para pedir socorro, que consiste em a mulher escrever uma cruz vermelha na mão e mostrar a outros quando em espaço público.
De acordo com o Jornal Jurid, “Assim, é possível concluir que a Lei Maria da Penha é extremamente importante para garantir direitos das mulheres e tornar o Brasil um país mais justo, assim como o conserto de compressor de ar é fundamental para garantir o bom funcionamento do mesmo”. A violência doméstica e os crimes contra as mulheres precisam ter mais atenção. Só a lei não é suficiente, é preciso condições de fazer cumprir a lei, portanto, aparelhar as cidades com profissionais capacitados para agir, bem como com estrutura física, seja para encarcerar o abusador, seja para proteger a vítima, é urgente.
Partindo do exposto acima, acredito que seja preciso pensar numa educação libertadora, ou seja, educar as pessoas para a não violência, esse dispositivo pode ser o melhor caminho, já existe alguns projetos em andamento no distrito federal que leva para os alunos das escolas pública aulas sobre Comunicação não Violenta. Educar as crianças de forma que elas compreendam a importância de cada ser humano independe de raça, cor, gênero ou religião, classe social, ou quaisquer outras diferenças.
A Lei Maria da Penha, tem abrangência nacional, no entanto, cada município precisa ter sua própria política de combate à violência doméstica, amparo às mulheres e formas de proteção. Nesse sentido, a cidade de Guarulhos criou uma série de espaços de acolhimento para mulheres vítimas de violência doméstica, a junção desses lugares é chamada de Rede. Segue descritivo.
A cidade de Guarulhos – SP criou em 2002 “A Rede Guarulhense de Não Violência à Mulher”. Trata-se de uma série de instituições que se articulam para a proteção das mulheres em situação de vulnerabilidade. Dentre essas, destaca-se: Asbrad (Associação em Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude) 2409-9518; Casa das Rosas, Margaridas e Beths - Centro de Referência em Atendimento às Mulheres em Situação de Violência Doméstica, 2469 -1001 ou 2441-0019; DDM - Delegacia de Defesa da Mulher 2485-8524; Procuradoria Especial da Mulher - Aprovada pelo Projeto de Lei 4181/2013- 2475-0200, dentre outras. Através do número 180, discado de qualquer lugar, gratuitamente, a mulher pode pedir socorro, bem como qualquer pessoa pode denunciar uma situação de violência doméstica. Além disso, por este número, a mulher pode ser orientada com relação às redes de acolhimento, tais como: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, etc.
No artigo segundo da Lei Maria da Penha lê-se o seguinte:
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Não será possível à mulher gozar a vida nos termos da lei, senão colocarmos em prática o que nela é proconizado. Para que sejamos uma sociedade menos violenta, não há outro caminho, a não ser a educação, é preciso uma educação libertária. Não me refiro a uma educação qualquer, mas aquela libertadora de Paulo Freire:
Somente na medida em que se descubram “hospedeiros” do opressor poderão contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora. Enquanto vivam a dualidade na qual ser é parecer e parecer é parecer com o opressor, é impossível fazê-lo. A pedagogia do oprimido, que não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta descoberta critica – a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos oprimidos, como manifestações da desumanização.
Referências:
BRASIL. “Lei Maria da Penha”. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm . Acesso em: 11 set. 23.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
IMP – INSTITUTO MARIA DA PENHA. O que é violência doméstica. Disponivel em: https://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/o-que-e-violencia-domestica.html . Acesso em: 11 set 23.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 202.
JORNAL JURID. A importância da Lei Maria da Penha. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/blog/auxilium/a-importancia-da-lei-maria-da-penha . Acesso em 11 set 23.
PREFEITURA DE GURAULHOS: Rede Guarulhense de Não Violência à Mulher. Disponivel em: https://www.guarulhos.sp.gov.br/rede-guarulhense-de-nao-violencia-mulher#:~:text=A%20Rede%20Guarulhense%20de%20N%C3%A3o,mulheres%20em%20situa%C3%A7%C3%A3o%20de%20viol%C3%AAncia . Acesso em: 11 set. 23.
*Luzimar Soares é historiadora (PUC-SP/USP).
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