Rio de Janeiro, 04 de julho de 2023.
Francis Ivanovich*
Você pergunta, ao cruzar com um conhecido pelas ruas da cidade?
Caminhar pelas ruas da cidade é para mim vital, as ruas são as artérias por onde correm nossas vivências, boas e más, a nutrir de cotidiano e oxigênio o pleno funcionamento das nossas esperanças. A cidade é um corpo vivo repleto de células gente, essência primordial do convívio civilizatório.
Olá, tudo bem?
Crédito da imagem: Arquivo pessoal do autor.
O cumprimento aparentemente corriqueiro, ao cruzar com alguém que conhecemos de olhos. O velhos amigos do ritual do esbarrão ocasional do cotidiano.
Como ir ao barbeiro, sentar-se à cadeira americana, enquanto o amigo das tesouras que confiamos nossa cabeça, corta e apara, enquanto dialogamos amenidades e profundidades, do futebol ao tempo que tinge de branco os cabelos, como dois filósofos cortantes e cortados.
Saio da barbearia, encontro o Davi, ele é dono de uma barraca onde conserta relógios. Cumprimento o Davi e lhe pergunto há quanto está naquele ponto, ele diz com orgulho que chegou ao bairro em 1993. Há 30 anos Davi vence o Golias do tempo, repondo ponteiros e vidro, vendendo pulseiras, infalível como um relógio atômico.
Vou ao banheiro do restaurante, o velho garçom me conhece de vista, até parecemos amigos íntimos, ele me aponta o caminho como quem me convida para entrar em sua casa.
De volta à rua, caminho mais adiante, e paro em frente ao prédio que um dia morei. Na portaria está o Milton, nome de poeta inglês, e mais uma vez nos cumprimentamos com afeto, e sempre me recordo do seu filho Marcelo que morreu ao cair de uma laje, aos 25 anos, que o Milton treinava para também ser porteiro.
Os porteiros são pessoas importantes, eles são a primeira pessoa que vemos e falamos ao chegar a um determinado endereço, sua energia pode facilitar ou estragar a visita. Não é todo mundo que pode ser porteiro, é necessário ter um coração aberto, e uma alma receptiva.
Vou a Copiadora, tentar imprimir o catálogo do Festival de cinema Flávio Migliaccio; o trabalho dá errado, eles precisam devolver o dinheiro enviado via PIX, A pessoa que fará a operação financeira não está na loja, irá transferir mais tarde, nem me preocupo, estão ali há muitos anos, já fizeram tanto serviço para mim que parecem velhos amigos, a confiança é uma construção que se solidifica com o tempo, gerando fidelidade. O dinheiro foi devolvido.
Vou à cafeteria no Centro, tomar café coado na hora, a moça que me serve já sabe que eu gosto de bolo de banana, ela me sorri, é minha nova amiga do cotidiano, confirmando ser a cidade a realidade do convívio e da troca de afetos.
Daí a importância de se combater a autossegregação, essa ideia estúpida dos que têm o poder econômico de isolar áreas da cidade somente para eles, fechadas em si mesma, como condomínios; ou a gentrificação, quando se expulsa as populações pobres para áreas cada vez mais periféricas.
O centro do Rio, por exemplo, necessita atrair moradores. A cidades sem gente são como cemitérios. Há regiões no centro do Rio que estão mortas, sem uma viva alma. A cidade sem gente perde o sentido.
Que as nossas cidades, nossas ruas sejam sempre o palco desse ritual maravilhoso do reencontro despretensioso de um olá, tudo bem?
O cumprimento ao velho e querido conhecido que cruzamos pelas ruas, confirmando a nossa existência.
E com você, tudo bem?
*Francis Ivanovich é jornalista, cineasta e produtor cultural.
Texto originalmente publicado no blog Francis Ivanovich.
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