Renata Figueiredo Moraes*
Rio de Janeiro, 2 de maio de 2024
O mês de maio em todo mundo começa com uma importante celebração: o dia do trabalhador. Talvez em alguns países o “dia do trabalho” seja mais enfatizado que aquele que exerce a atividade laboral. No entanto, foi através desse trabalhador que a data conseguiu um significado quase universal.
A princípio o primeiro de maio era o “Moving Day” nos Estados Unidos, quando havia a renovação dos preços dos aluguéis e dos contratos, servindo de oportunidade para que os trabalhadores fizessem suas reivindicações. No ano de 1886 essa movimentação gerou a morte de oito trabalhadores em Chicago devido a forte repressão policial, que permaneceu nos dias seguintes quando ainda havia manifestações contra essas mortes. O episódio gerou uma repercussão nacional e em outros países. Em 1889 a Segunda Internacional, ocorrida em Paris no mês de julho, tomou o primeiro de maio como data a ser valorizada como momento de luta, especialmente como oportunidade para a realização de ações que colocassem em evidência a necessidade de melhorias nas suas condições de trabalho, com reforço para um antigo desejo, a divisão da jornada em três partes iguais: oito horas de trabalho, oito horas de lazer e oito horas de repouso, os 3 x 8.
A primeira vez que a data foi celebrada com o mote para o dia do trabalhador foi no ano de 1890, na França, com ações variadas em todo país, desde greves, paralisações do trabalho, ocupação de espaços públicos, festivais, enfim, toda uma série de manifestação dos trabalhadores que para terem a folga necessária ou negociaram com os patrões ou decretaram uma greve. Começava em 1890 uma interessante movimentação dos trabalhadores da Europa para um dia que fosse universal e que servisse para a mobilização dos trabalhadores do mundo. A escolha do primeiro de maio se distancia das datas francesas, como a do 14 de julho, e aproxima os trabalhadores de uma data mais universal, mas que não estaria isenta de ser disputada por diferentes grupos políticos, como anarquistas e socialistas, tanto na França como no Brasil, por exemplo.
Os trabalhadores do Brasil durante o século XIX estavam em constante mobilização, a despeito da permanência da escravidão, principalmente nas cidades. A divulgação na imprensa brasileira das notícias do exterior servia para mobilizar os trabalhadores nacionais, envolvidos na luta por melhores condições de trabalho, aumento dos pagamentos das suas jornadas e o pleito pelas folgas remuneradas. É possível identificar manifestações desses trabalhadores por meio de paralisações dos serviços, greves, escritos, jornais operários e outras ações que mostram o quanto que os trabalhadores do Brasil, entre nacionais e estrangeiros, estavam conscientes da mobilização dos seus pares em outras partes do mundo. Além disso, nas últimas décadas da escravidão, a causa da abolição foi incorporada pelos trabalhadores livres que se organizaram em associações abolicionistas, semelhante às mutualistas que já existiam e que serviam de amparo em caso de doença ou outros males. Em 1888 a abolição da escravidão também foi comemorada pelos trabalhadores livres que acreditavam serem participantes do processo, e pensavam que a liberdade dos escravizados poderia ser extensiva a outros trabalhadores. Um desses casos é a dos caixeiros, trabalhadores do comércio, que constantemente reivindicavam a folga aos domingos. Com a abolição tentaram mobilizar o grande líder abolicionista, José do Patrocínio, para que ele pudesse atuar a favor dessa categoria, que queria uma outra liberdade.
As primeiras comemorações pela data do primeiro de maio ocorreram no Rio de Janeiro em 1891. Nos anos seguintes foi tida como uma manifestação de um operário nacional, dia de greve geral, envolvendo trabalhadores de diferentes correntes políticas, como os socialistas e anarquistas, por exemplo. A data, no Brasil, estava em disputa, especialmente nos tipos de celebrações que deveriam ser realizadas, como missas, reuniões em praças públicas, bailes, desfiles ou greves.
Os trabalhadores do Brasil, envolvidos com as correntes políticas do anarquismo e socialismo, construíram diversos sentidos para a data, ora reivindicando mobilizações mais radicais, aos moldes do que aconteceu em Chicago, ora pensando na data como momento de folga e festividades. No período republicano podemos ver algumas dessas divergências nos jornais escritos por trabalhadores e que circulavam pela capital federal. A imprensa operária não era novidade desse regime, já tendo jornais escritos por trabalhadores desde o século XIX, especialmente pelos tipógrafos, categoria essencial para a produção dos jornais e que promoveu uma grande greve em 1858.
A data do primeiro de maio se soma a uma outra importante data, a da abolição, ocorrida em 13 de maio de 1888. Conforme dito anteriormente, nos momentos finais da escravidão, trabalhadores livres de diferentes categorias se mobilizaram em associações, comprando cartas de alforria e escrevendo em seus jornais manifestos a favor da abolição. Nos anos seguintes, com as festas pelo aniversário do fim da escravidão, trabalhadores de diferentes origens se juntaram às celebrações feitas especialmente nos subúrbios. O mês de maio parecia ser um momento especial para pensar o trabalho, especialmente no pós-abolição quando as disputas pelo protagonismo da abolição ainda eram fortes, principalmente entre republicanos e antigos monarquistas. A jovem república reajustava a história do Brasil e testemunhava líderes operários buscando o protagonismo de lutas por melhores condições, entre eles muitos afrodescendentes que foram invisibilizados em classificações mais genéricas, como socialistas ou anarquistas, por exemplo.
As disputas políticas em torno do primeiro de maio no Brasil se intensificaram à medida em que a data ganhava mais peso político entre os trabalhadores. Em 1924, o presidente Artur Bernardes transformou a data em feriado nacional como “Dia do trabalho”. Em 1930, sob o governo de Vargas, a data permaneceu como feriado, ao contrário do 13 de maio que perdeu essa característica por iniciativa do novo governo que pretendia preservar apenas as datas de relevância nacional.
No período do Estado Novo, a primeira celebração pelo dia do trabalho ocorreu em 1938, com a assinatura de alguns decretos favoráveis ao trabalhador, servindo de celebração do novo regime. A data foi usada pelo governo para se dirigir aos trabalhadores, empresários e sociedades operárias e os primeiros festejos ocorreram na capital federal na antiga área do Morro do Castelo, a Esplanada do Castelo, onde ficavam localizados o Palácio do trabalho, indústria e comércio. A imprensa divulgava as manifestações pela data promovida pelo Estado com destaque a presença de Vargas e sua proximidade com os trabalhadores. As celebrações pelo primeiro de maio se intensificaria nos anos seguintes em estádio de futebol, com a figura de Vargas como alvo de homenagens dos trabalhadores e de algum modo tirando o protagonismo daqueles que lutaram pela data no século anterior.
Assim como ocorreu nos primeiros anos de celebração da data, a disputa por ela continua, especialmente em momentos de crise no trabalho formal, deterioração dos direitos trabalhistas, conquistados por meio de muita luta, e reforço de ideais fascistas em governos legitimamente eleitos. Não há como prever o futuro do trabalho num momento de profundas mudanças no cotidiano, principalmente pelas transformações na área tecnológica (o avanço do uso da inteligência artificial é um mote para pensarmos o futuro do trabalho intelectual, por exemplo). O que temos certo é que a mobilização dos trabalhadores do mundo, como pregava Marx, é o que pode garantir a permanência de direitos ou a redução dos danos provocados pelo avanço da destruição do mundo na busca diária por mais capital.
Referências bibliográficas:
Isabel Bilhão. “Trabalhadores do Brasil!”: as comemorações do Primeiro de maio em tempos de estado novo varguista. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, nº 62, p. 71-92 – 2011
Michelle Perrot. “O Primeiro de maio na França (1890): nascimento de um rito operário”. Os excluídos da história. Operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro, São Paulo: Paz e Terra, 2020.
Renata Figueiredo Moraes. As festas da abolição no Rio de Janeiro (1888-1908). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2023
Renata Figueiredo Moraes é historiadora e professora (UERJ)
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