São Paulo, 15 de setembro de 2022.
Hubber Ramos Clemente*
Acho que um dos maiores fracassos da humanidade é a tentativa de refletir, pensar e agir coletivamente para que o mundo seja melhor. Desde as narrativas bíblicas, houve inúmeras tentativas de uma união coletiva, porém sem sucesso. E desde que me entendo por gente, tento refletir sobre o motivo da dificuldade desta união. Talvez, até utopicamente, acredito que o mundo é habitado, na sua maioria, por boas pessoas, pois, se fosse o contrário, já não existiria o mundo da forma que existe atualmente. Só no século XX, tivemos duas guerras mundiais e, recentemente, houve uma pandemia sanitária humanitária global. Mesmo assim, com muitas mortes, encontramos uma forma de sobreviver. Não da maneira ideal, mas sobrevivemos.
Natureza morta, 1891, pintura de Estevão Roberto Silva.
Crédito: Museu Afro-Brasil, São Paulo.
Charles Darwin, na sua teoria de evolução, nos informou que sobrevivem aqueles que melhor se adaptam, e eu concordo com sua teoria. Porém, está ficando cada vez mais difícil se adaptar para sobreviver atualmente, pois a individualidade está se sobrepondo à coletividade. Não nego que o mundo atual é complexo, pois desde que fomos separados por classes sociais, a " conquista individual" transformou-se em prioridade, com incentivo do capitalismo predatório. Infelizmente, com a globalização econômica, não temos como fugir do capitalismo, mas temos uma chance de torná-lo consciente, consequentemente tornando o mundo melhor. O maior problema, na minha opinião, para pensarmos coletivamente, são as “verdades individuais”.
Os gregos tentaram nos avisar sobre as verdades individuais no mito de Narciso, ou Narcisismo, que morreu afogado admirando a própria beleza de sua existência, sem nenhuma empatia ou sensibilidade com outros seres humanos. Trazendo para os tempos atuais, é pensar somente em si sobre problemas coletivos. E o “ego” alimenta o narcisismo, que, em resumo, é "Eu como prioridade". E esta combinação fortalece as verdades individuais que tanto prejudicam as soluções coletivas. Negação histórica, como as mentiras históricas da “meritocracia” e do “conservadorismo” servem como sustentação para as verdades individuais.
Meritocracia, para ser uma verdade, teria que partir do conceito de que todos partiram de condições iguais para atingirem seus objetivos. Como mulheres, negros, LGBTQIA+, indígenas, pessoas com deficiência, que ainda estão lutando para que seus direitos como cidadãos sejam respeitados, estão partindo de condições iguais? Mas ainda tem quem, com auxílio da negação histórica, afirme que tudo é questão de mérito. Conservadorismo é uma ilusão que serve para que os tradicionalistas mantenham a estrutura atual do poder nas mãos dos mesmos de sempre. A reflexão é simples: o mercado do sexo é um dos mais lucrativos do mundo, sendo que a prostituição é um dos mais antigos. Por que não tiveram a coragem de atirar a "primeira pedra”? Sem a participação dos " ditos conservadores”, muitas mazelas não seriam possíveis. Preconceitos e semelhantes são permitidos com a omissão dos conservadores.
Segundo Sigmund Freud, oposto do amor não é o ódio, e sim a indiferença. E esta indiferença alimenta uma verdade individual que está ligada a utopia do poder que, segundo o mesmo Freud, trata-se, na maioria das vezes, de imposição. Novamente, relembrando as narrativas históricas bíblicas, lembre-se do que o Diabo ofereceu para Jesus: “glória e poder” sobre todos os reinos do mundo. Para uma única pessoa, solução individual. Nos tempos atuais, nos deparamos várias vezes com esta decisão, por isto, as verdades individuais são inúteis na minha opinião. São aquelas que buscam negar dados e fatos coletivos para justificar a manutenção de uma minoria com muito e a maioria com pouco. Buscar sempre ter razão independente do que esteja acontecendo com a maioria das pessoas dentro de uma sociedade que foi concebida de maneira injusta para ser como é atualmente.
Para “soluções coletivas” precisamos entender primeiramente o coletivo, entendendo verdadeiramente por que o mundo é o que é, sem negação da história. Soluções coletivas não podem ser pensadas de maneiras individuais, com a dominação das narrativas daqueles que não têm lugar de fala. É preciso ter pertencimento, é preciso ter representatividade. Se as minorias sociais não estão à frente dos debates dos problemas coletivos. Nas soluções coletivas não cabem individualidades. Um grande exemplo de abrir mão de uma verdade individual foi do primeiro-ministro do Reino Unido, Winston Churchill, para defender a democracia: "Democracia pode ser o pior sistema político atualmente, mas ainda não encontramos nenhum melhor".
Por isto, sempre desconfiarei daqueles que dizem desejar, lutar por soluções coletivas através de verdades individuais. O coletivo sempre priorizar uma maneira de pensar em todos, sem individualidades, egos ou semelhantes, sem estimular o mito utópico do herói. Soluções coletivas são pensadas com a colaboração de todos, dando a visibilidade e voz para aqueles que historicamente foram prejudicados. Infelizmente, ainda é difícil propor esta reflexão, pois ainda é estimulada a " vitória individual " como solução. Mas se este texto ajudar uma pessoa a refletir, não a concordar ou discordar, pois tratam-se de escolhas individuais, ficarei feliz, pois precisamos pensar no mundo que desejamos para um futuro breve.
*Hubber Ramos Clemente é negro, paulistano, que ama sua cidade, principalmente o centro da cidade, local de importância histórica e ancestral para o povo negro, onde também fica sua escola de samba do coração, a Vai Vai. Hoteleiro por vocação e paixão, com mais de 22 anos de carreira no setor, sempre inquieto em prol da evolução do setor através da inovação e disrupção das gestões, através das aplicações de técnicas adquiridas nos cursos de Design Thinking, Big Data, Gestão de Viagens e Diversidade & Inclusão. Ativista, militante, divulgador do AFROTURISMO como caminho de inclusão racial, diversidade, resgaste histórico e conexão ancestral através do turismo, visando uma sociedade melhor e mais justa. Fundador da iniciativa: Negros e Pretos Afro Turismo Afro Hotelaria, Co- fundador do Papo de Hoteleiro, integrante da comunidade de inovação Inovadores Inquietos, Coletivo pelo Afroturismo, do Comitê da Diversidade no Turismo e Conselheiro Comercial do Coletivo Quilombo Aéreo.
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