São Paulo, 20 de fevereiro de 2024.
Cris Campos*
Crédito da imagem: Wix.
Estava com cólica naquele dia e não fui trabalhar. Às tantas, minha cama começou a se mexer como aqueles colchões d’água que os hippies adoravam nos anos 70. E eu não tinha fumado nem uma ponta. De repente, o porteiro interfonou me mandando descer por que o prédio estava sendo evacuado. Não deu nem pra pegar a bolsa. Desci de havaianas.
No trecho sem saída da rua em frente ao prédio, a vizinha do último andar contava que seu apartamento balançara tanto que o sininho indiano da porta disparou a tocar. Quem não tinha um sininho indiano na porta no começo dos 80? Quando Joana e Pedro desceram da perua escolar, avisei que não subiriam porque o prédio poderia cair. Calmo como é até hoje, Pedro perguntou: pra que lado? Nesses momentos, filhos de pais separados têm suas vantagens. O próprio tio da perua os levou pra casa do pai a 6 quadras dali.
Quanto a mim, sem lenço e sem documento naquela noite de quase dezembro, só restou pegar a chave da casa que meu namorado dividia com dois amigos perto da Paulista. Quem não gostou da ideia foi a namorada do primeiro amigo: uma alemã pra lá de careta pra quem praia só servia pra jogar frescobol e beber chá quente de uma lgarrafa de térmica. O terceiro morador da casa, que alguns aqui tiveram o prazer de conhecer, era um austríaco que acabara de sair do armário. Tão perspicaz quanto seu conterrâneo Sigmund Freud, ele intuía que era a rigidez da fraulein que atraia os homens. Segundo ele, a garota devia ser bem apertadinha.
Inclusive mentalmente. Pra ela todos os moradores daquele sobradinho de vila eram degenerados. E eu uma degenerada que fumava, cheirava e bebia com eles. Usando a tática que seus conterrâneos nazistas adotavam contra judeus, ciganos e homossexuais, me acusou de ter inventado a história da evacuação do prédio. Caiu do burro em plena de jantar.
Fui defendida no ar por nada mais nada menos que o Sérgio Chapelain. Ou teria sido o Cid Moreira? Lembro que o JN abriu com uma matéria sobre um prédio de Pinheiros que tinha balançado em consequência de um terremoto no Chile. Era o meu prédio. Mais que um terremoto, aquele tremor foi uma premonição. Um ano depois me mudava pra Santiago com o meu namorado. Depois que voltamos, a nazistinha foi pro meu lugar na agência em que trabalhei.
*Cris Campos é Redatora publicitária por 30 anos, Cris é funcionária aposentada do Judiciário. Desde criança adora ler e ver filmes. Tem publicado suas memórias em mini crônicas no Facebook. Seu texto é gostoso. Às vezes divertido, outras comovente, muitas irônico. Encontra sempre um gancho entre acontecimentos atuais, filmes, livros e suas próprias lembranças. Se um dia forem publicadas poderiam se chamar “Ganchos e Garranchos”.
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