Rio de Janeiro, 01 de novembro de 2021
Bruno Filippo*
O valor de cada geração de brasileiros neste início dos anos 20 do século XXI converge para o alto. Há vinte e sete anos que isso não acontecia; e se uma das diferenças entre quem nasceu antes e depois da revolução digital estava no desconhecimento da maquininha que etiquetava os produtos nos supermercados a todo momento, esse poço agora parece transponível. Não que a gerigonça esteja de volta - ela está no passado e por lá ficara para sempre, como os objetos que despertam nostalgia, ainda que a lembrança não seja boa. O que parecia no passado era a inflação.
Crédito: Wix.
Pela primeira vez, homens e mulheres de até trinta anos de idade estão sentindo os efeitos do aumento quase descontrolado de preços, o que ameniza a diferença para aqueles tantos que sentiram no bolso os anos 1980 e início dos 1990, com crises econômicas sem fim, inflação de quase 1000% ao ano e planos fracassados para debelá-la.
A visão economicista não pode prevalecer sobre a década de 1980. Nela, houve a redemocratização, a volta das eleições para prefeito, governadores e presidente da República; mobilização da sociedade civil como as “Diretas Já"; e uma nova Constituição. Movimentos culturais, como o rock nacional, o Brock, legou grandes bandas e canções - ao preço, é verdade, de paulatinamente empurrar a sofisticada MPB para o segmento de nicho. Mas não há dúvidas de que os desarranjos econômicos o marcaram historicamente; e se o assunto é a inflação, é imperativo que "anos 80" e "inflação" formem um sintagma lógico, mesmo que sua percepção tenha demorado a acontecer devido a visões divergentes de economistas. A gravidade da crise só se tornou unanime a partir de 1986-87, com o fracasso do Plano Cruzado.
A crise começou no início daquela década, quando o governo dos Estados Unidos aumentou a taxa de juros e apreciou o dólar. Para os países emergentes, que se endividaram na moeda americana, começava a crise da dívida externa, cujas consequências, no Brasil, ainda se fazem sentir, mesmo depois que o Plano Real, em 1994, extinguiu a hiperinflação. O país, cuja economia crescera virtuosamente entre 1930 e 1980, jamais voltou a esses patamares, uma das maiores do mundo, daí que a expressão seja usada para referir-se aos anos 1989 - o que é, como já se viu, uma análise estritamente economicista.
O valor de cada geração também diverge submerso numa sopa de letrinhas que tenta de limitar-lhe o espaço-tempo. Quem nunca se confundiu com tantas classificações diferentes de grupos de pessoas entre 0 e 35-40 anos? O fundamento atual para essa divisão é a maior ruptura a que a humanidade assistiu desde a invenção da imprensa tipográfica por Gutemberg no século XV: a internet e tudo o que ela vem possibilitando desde 1995. Há algumas semanas, a revista americana The New Yorker publicou um longo ensaio intitulado "É hora de parar de falar sobre gerações" de Louis Menand, escritor e professor da Universidade de Harvard.
Para ele, o corte geracional não captura o espírito de uma época, porque pode haver mais diferença dentro das gerações do que entre elas; e porque as mudanças históricas podem não decorrer de gostos, valores e das ideias dos mais jovens, mas exatamente o contrário: é a época, o meio que pode determinar a maneira de os mais jovens pensarem e se comportarem. Nas suas palavras:
(...) teoria também parece exigir que uma pessoa nascida em 1965, o primeiro ano da geração X, deve ter valores, gostos e experiências de vida diferentes de uma pessoa nascida em 1964, o último ano da geração do baby boom (1946-64). E que alguém nascido no último ano de nascimento da Geração X, 1980, tem mais em comum com alguém nascido em 1965 ou 1970 do que com alguém nascido em 1981 ou 1990, escreve Louis Menand, que prossegue, em outro trecho:
(...) A maioria dos jovens dos anos 60 não praticava o amor livre, não usava drogas nem protestava contra a guerra do Vietnã. Em uma pesquisa realizada em 1967, quando as pessoas foram questionadas se os casais deveriam esperar para fazer sexo até se casarem, sessenta e três por cento das pessoas na casa dos vinte disseram que sim, praticamente o mesmo que a população em geral. Em 1969, quando pessoas de 21 a 29 anos foram questionadas se já haviam usado maconha, oitenta e oito por cento disseram que não. Quando o mesmo grupo foi questionado se os Estados Unidos deveriam retirar-se imediatamente do Vietnã, três quartos disseram que não, quase o mesmo que a população em geral.
Em uma pesquisa citada por Menand, os jovens da Geração Z (nascidos entre 1997-2012) são descritos como egoístas, materialistas, preguiçosos e arrogantes. Se houver no Brasil jovens da geração Z com essas características deletérias, sentirão ainda mais o descontrole econômico brasileiro.
*Bruno Filippo é sociólogo, jornalista e professor universitário.
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