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  • Foto do escritorWillian Robson Soares Lucindo

13 de Maio: sambas, solenidades e cidadania

Atualizado: 17 de mai. de 2022

São Paulo, 16 de maio de 2022.

Willian Robson Soares Lucindo*


Com “entusiasmo e júbilo”, Campinas recebera a ideia de criar comissões responsáveis por angariar donativos e preparar a festa pelo fim da escravidão, que não ficasse “aquém das [outras] iniciativas por esta incansável população” (A Província de São Paulo, 12 mai. 1888, p. 1). Para o sábado, dia 12 de maio, “as redações dos jornais mandaram colocar girandolas à porta de seus edifícios para serem queimados” assim que soubessem que o projeto de lei fosse aprovado no Senado. Notícia chegou via telegrafo, por volta das “4 horas da tarde”, quando “devia ter lugar a grande procissão cívica” (A Província de São Paulo, 13 mai. 1888, p. 1). Ao amanhecer de domingo, “apesar do mau tempo, notava-se na cidade um movimento anormal”. “Grupos de cidadãos cônscios de que a áurea lei seria sancionada” enfeitavam “com afã as diversas ruas, ajudados por muitos ex-escravos, que procuravam contribuir com seu modesto contingente”. Praças, Largos e ruas ficaram cobertas com arcos de folhagens, junto com as bandeiras, iluminação a gás e lanternas deram outra feição a cidade, “tornando-a festiva e alegre” (Gazeta de Campinas, 16 mai. 1888, p. 1-2).



Crédito da imagem: Acervo Jornal Estadão.


Depois que a comissão vestira a “cidade das galas necessárias para receber a grata notícia”, a “massa de povo afluiu à praça José Bonifácio” e esperava “ansiosamente” os sons das girandolas, que daria “o sinal que a pátria estava emancipada da escravidão”. Os foguetes estouraram no céu por volta das 2h15 da tarde. Entre os estouros, em “júbilo popular”, dava-se “vivas à nação brasileira, à província de São Paulo, ao patriótico gabinete “10 de Março”, à princesa regente, à pátria livre”. As bandas dos tocaram o hino nacional e outras músicas que mantiveram o povo entusiasmado e alegre. Um cortejo desfilava pelas ruas, parando em frente aos edifícios de cada jornal da cidade e ouviu cada um de seus oradores, que foram sempre sucedidos pelo hino nacional. Às 5 horas da tarde, comemoração fez um intervalo para retornar à noite. No entanto, muitos grupos de “ex-escravos” que foram chegando durante a passeata, “esparsos pelas ruas”, expandiram-se e continuaram “a dar vivas aos abolicionistas”. A festa foi retomada por volta das 7 horas da noite, quando novos discursos foram feitos, soltaram-se vivas e as bandas voltaram a tocar. E, mais uma vez, quando a comissão encerrou o evento, grupos de libertos seguiram festejando (Gazeta de Campinas, 16 mai. 1888, p. 2).


Em Campinas, assim como em muitas cidades brasileiras, comemorou-se a Abolição durante toda semana. Na segunda-feira, diversas entidades da cidade do interior paulista saíram às ruas, inclusive as sociedades Luiz Gama e Flor da Mocidade que eram associações negras, ou “de libertos”, conforme a Gazeta de Campinas. A festa acabou no início da noite, “reinando sempre a melhor ordem”, contudo “ex-escravizados” continuaram a percorrer “as ruas em entusiásticos vivas” (Gazeta de Campinas, 16 mai. 1888, p. 2). No domingo, dia 20 de maio, as entidades negras “Filhos de Averno”, “Luiz Gama” e “Flor da Mocidade”, organizaram outro evento e convidaram “todos os libertos residentes na cidade” para contribuir (Idem). No dia 15 de maio, não teve programação oficial, mas “muitos pretos com zabumba, percorreram as ruas, dando vivas” (Idem).


As celebrações da comissão não foram suficientes para as pessoas negras, que se prolongaram nas ruas e prepararam suas próprias manifestações. Estas cenas demonstram a alegria, entusiasmo e, até mesmo, esperanças de negras/os com a Abolição, não somente entre aquelas pessoas que foram libertadas pela lei, mas, também, de pessoas livres e libertas. Podemos considerar que os prolongamentos e as iniciativas das associações negras como atos de pessoas que buscavam celebrar à sua maneira, de participar politicamente dos festejos na condição de livres, de apresentar-se à sociedade como iguais. Contudo, lideranças políticas e fazendeiros faziam questão de evidenciar que eram diferentes, inclusive denominando todas as pessoas negras de libertas, mesmo aquelas que tinham nascido livres. Mais do que isso, em meio a euforia pelo fim do escravismo, os discursos das elites dominantes eram em prol da manutenção da ordem, desejavam que as pessoas negras continuassem em seus antigos postos de trabalho para não prejudicar a lavoura, nem que fosse preciso o uso da polícia.


Com o avanço das campanhas abolicionistas, foram surgindo propostas de leis voltadas para o controle das populações negras. Após a Abolição algumas delas foram postas em práticas e a associação entre negros, vadiagem e criminalidade foi se tornando mais forte. Entre 1888 e 1930, líderes políticos durante as celebrações pelo 13 de maio pregavam a necessidade de as pessoas negras adquirirem o amor ao trabalho e à ordem para serem integrados na sociedade livre. Essas falas contrastavam com os anúncios de vagas de empregos que diziam preferir pessoas brancas e/ou estrangeiras, com denúncias de negras/os que chegavam ao local de uma vaga e recebiam como resposta que ela já havia sido preenchida, depois ficavam sabendo que pessoas brancas que chegaram depois puderam fazer entrevistas.


Em um momento histórico sem a maioria dos nossos direitos trabalhistas, como auxílio em caso de doença, eram as associações operárias de ajuda mútua responsáveis por esse tipo de serviço, e muitas delas não eram permitas a entrada de pessoas negras. As organizações beneficentes e recreativas de estrangeiros também não permitiam. Foi por isso que diversas agremiações negras foram criadas com objetivo de garantir medicamentos, ajuda às/aos trabalhadoras/es e suas famílias, bem como instrução e divertimentos às pessoas negras. Os debates sobre preconceito, discriminação e racismo eram feitos durantes encontros e em seus jornais, que ficaram conhecidos como imprensa negra.


Desta forma, se existiu políticas de marginalização das populações negras, houve lutas contra essas práticas e em favor das melhorias desde sempre. Hoje não há toda a euforia de festas de 1888, mas a expectativa pela igualdade racial persiste, como permanece a luta de organizações do Movimento Negro contra o racismo, que entendem que o fim do escravismo não o aboliu, por isso que desde a década de 1980 essa data se transformou no Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo.


Referências:


A PÁTRIA LIVRE. Gazeta de Campinas. Campinas, 16 mai. 1888, pp.1-2. Disponível no: Arquivo do Centro de Memória da Unicamp – SP.


FESTA DA LIBERDADE. A província de São Paulo. São Paulo, 12 de maio de 1888, p. 1. Disponível em: https://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18880512-3934-nac-0001-999-1-not/busca/incans%C3%A1vel%20popula%C3%A7o. Acesso em: 10 de mai. De 2022.


MUNICÍPIOS PAULISTAS. A Província de São Paulo. São Paulo, 13 mai. 1888, p. 1. Disponível no arquivo: Edgard Leuenroth – Unicamp – SP.


MANIFESTAÇÃO DOS LIBERTOS. Diário de Campinas, Campinas, 16 mai. 1888, p. 3. Disponível no arquivo: Edgard Leuenroth – Unicamp – SP.



*Willian Robson Soares Lucindo é formado em História pelo Centro Universitário Fieo, Mestre em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas com a tese Comemorações, Cidadania e Festas: o associativismo negro em Campinas e Piracicaba nas três primeiras décadas do século XX. Autor do livro: Educação no Pós-abolição: propostas educacionais de afrodescendentes em SP. Atualmente, é Professor da rede municipal de SP.




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